Cobardes

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1. A dezena e meia de agressores que passou uma hora a lançar pedras da calçada a polícias, segundo os relatos das manifestações do passado dia 14 de novembro, tem sido chamada de "profissionais do distúrbio" pelo governo ou de "idiotas" pelos outros manifestantes. Creio que eles não se importam muito com nenhum dos epítetos. Mas não lhes têm chamado aquilo que eles são: cobardes.

São certamente cobardes aqueles que apedrejam polícias na plena consciência de que, quando chegar uma carga policial, não lhes faltarão pernas para fugir. Quem ficará à mercê das bastonadas serão os inocentes e indefesos, de velhos a pais com crianças. É cobarde quem tenta assim aproveitar-se da luta dos trabalhadores e é chocante a falta de solidariedade com esta luta e de respeito pelos trabalhadores que naquele dia fizeram uma greve geral europeia, fraterna.

2. Merece também a qualificação o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, por não ter ousado demarcar-se de uma atuação da polícia que foi indiscriminada e brutal, seguida depois por detenções arbitrárias sem respeito pelas garantias legais e constitucionais (por exemplo, de acesso a advogado) e práticas de humilhação e violência psicológica (obrigar jovens mulheres a despirem-se completamente, por exemplo) a pessoas que na sua grande maioria estavam completamente inocentes.

Miguel Macedo seguiu a velha máxima de que, mesmo em caso de abusos generalizados, um ministro não pode "desautorizar" a polícia. Terá provavelmente o pretexto de que, como ministro da tutela, deu as ordens que foram seguidas ou tem por elas responsabilidade política. É verdade: mas isso não o exime de respeitar e fazer respeitar a lei e a Constituição, a começar pelos serviços sob sua tutela.

Outros políticos, do primeiro-ministro ao Presidente da República e ao líder do PS, não têm qualquer pretexto semelhante. Tal como lhes compete condenar a violência contra a polícia, compete-lhes condenar a violência da polícia, que não pode agir como se não tivesse responsabilidades especiais enquanto corpo da República.

3. Criou-se a ideia de que, vivendo o país tempos difíceis, as liberdades e as garantias são finezas a desconsiderar - e que estas devem seguir o mesmo caminho que já foi apontado aos direitos adquiridos, ou seja, uma hibernação nas sombras até que as finanças do país melhorem.

Isto não é, não pode ser, assim. A Constituição, com as suas liberdades, direitos e garantias, não se fez só para os tempos fáceis. Nos tempos fáceis, os problemas são menores. É para os tempos difíceis, é precisamente nos tempos difíceis, que mais precisamos de defender as liberdades civis e garantir o respeito por elas.

4. Mas criou-se também a ideia de que, porque os tempos são difíceis, é legítimo prescindir da paz, da abertura e da tolerância no debate público. Há quem se arvore em juiz último e se permita declarar quem são os "traidores" e a "vergonha" do país, há quem ache que a violência das medidas governamentais justifica a violência nas ruas. Não justifica, tal como a violência nas ruas não justifica a violência desproporcional da polícia.

Também é em tempos difíceis que mais precisamos da coragem de um discurso cívico, democrático e republicano, feito de paz contra a agressividade e o oportunismo dos absolutistas, venham eles de onde vierem.

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