O Aniki-Bobó tal como o viu Manuel António Pina finalmente em livro

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O ensaio encomendado pelo British Film Institute vai ser lançado no dia em que o poeta faria 69 anos

Permaneceu praticamente inédito durante duas décadas, e vai agora ser finalmente publicado, mas já a título póstumo: trata-se do ensaio que Manuel António Pina (1943-2012) escreveu sobre Aniki-Bóbo (1942), de Manoel de Oliveira, respondendo a uma encomenda do British Film Institute para integrar uma colecção de clássicos da história do cinema. O ensaio acabaria por nunca ser publicado em Inglaterra devido a um qualquer diferendo sobre os direitos de autor. Aquando da Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura, um excerto do texto foi inserido no catálogo do ciclo Odisseia nas Imagens. Aí se ficou a perceber que o autor ia mais longe do que até então na leitura desta que muitas vezes tinha sido vista como uma simples história de crianças: "Céu e terra, transcendência e realidade quotidiana, interligam-se intimamente em Aniki-Bóbó. A certa altura, enquanto Eduardito jaz no leito do hospital, os pequenos personagens de Aniki-Bóbó manterão, sob o céu da noite e fitando as estrelas, uma ‘filosófica' conversa sobre a vida e a morte, Deus e o Diabo, o conhecido e o desconhecido, na qual, sob a expressão ingénua dos medos e fantasmas infantis, não é difícil descortinar as grandes interrogações essenciais que, diante do invisível, ancestralmente inquietam o homem", escreveu Manuel António Pina. Ou mesmo na inquirição do subconsciente do realizador e das explicações que ele ia dando sobre as motivações da sua primeira longa-metragem, como quando Pina cita o episódio do encontro nocturno de Carlitos e Teresinha sobre os telhados da Ribeira: "(...) o facto de Oliveira parecer considerar ‘impuro' o desejo físico (mesmo tratando-se, no caso concreto, de crianças), se é provavelmente revelador da sua formação moral conservadora, pode abrir perspectivas interessantes de análise acerca do pudor e da contenção com que certos temas são tratados no seu cinema, pudor e contenção que resultam frequentemente em perversidade" - uma marca que a filmografia posterior do realizador veio claramente confirmar.

Esta releitura da obra-prima de Oliveira vem agora juntar-se a duas outras publicações que já pertencem à história do cinema português: a planificação do filme lançada em 1963 pelo Cine-Clube do Porto, e a sua reedição em 1992, nos 50 anos da estreia de Aniki-Bóbó, num livro coordenado por Jorge Neves, e que associa ao argumento uma selecção de críticas da época com fotogramas e cenas da rodagem.

O Aniki-Bóbó de Manuel António Pina chega-nos agora às mãos pela Assírio & Alvim. O lançamento realiza-se no domingo, 18 - dia em que se assinalaria o 69º aniversário do escritor-jornalista -, no Museu Nacional da Imprensa (MNI), no Porto, às 16h30. O livro será apresentado pelo psiquiatra e crítico de cinema António Roma Torres; na mesma sessão serão ainda lançados a antologia de poemas para crianças O Pássaro da Cabeça, agora reeditada com ilustrações de Ilda David, e um livro da filha do escritor, Ana Folhadela, A Princesa e a Loba. Simultaneamente, o MNI inaugura uma exposição documental-bibliográfica dedicada ao Prémio Camões 2011.

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