Torne-se perito

Cortes nas prestações sociais farão agravar risco de pobreza

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Recurso ao banco alimentar: também a classe média "está numa trajectória" de pobreza RICARDO SILVA

Ontem o Governo acabou por recuar no corte de 10% no limite mínimo do subsídio de desemprego, mas mantém-se no OE a contribuição de 6%, para todos

O corte transversal nas prestações sociais, proposto esta terça-feira pelo Governo, terá como consequência imediata o aumento da pobreza e irá contribuir para a redução do consumo em Portugal. O aviso é deixado por investigadores e pelos sindicatos. Numa altura em que os indicadores de pobreza relativos a 2010 começaram a dar sinais de alerta, as reduções no rendimento social de inserção (RSI) ou do complemento solidário para idosos (CSI) podem comprometer o papel que estas prestações têm tido na mitigação da pobreza e da desigualdade.

Ontem o ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, acabou por recuar no corte de 10% no limite mínimo do subsídio de desemprego. Porém, e de acordo com a UGT, o ministro terá dito que, em alternativa, a contribuição de 6% prevista no Orçamento do Estado (OE) para 2013 será estendida também aos desempregados que recebem o limite mais baixo (419 euros), o que acabará por se traduzir num corte de 25 euros (394 euros).

"Se estas medidas forem implementadas tal como nos foram apresentadas, a consequência imediata é o aumento da pobreza em Portugal", vaticina Nuno de Almeida Alves, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES). E não é só entre "os mais pobres", também a classe média "está numa trajectória de empobrecimento" com o aumento do desemprego e com o crescente número de desempregados sem acesso ao subsídio.

"É grave pôr estas medidas em cima da mesa, num momento como o actual", reage Isabel Baptista, investigadora do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS). "Num país que já proporciona níveis de protecção social estruturalmente baixos, estar a reduzir ainda mais esses níveis vai levar a uma diminuição da sua eficácia", realça.

Os números mais recentes, respeitantes a 2010, mostram que 1,8 milhões de portugueses - 18% do total - viviam com menos de 421 euros por mês. E se não fossem as transferências sociais esse número subia para 2,5 milhões. Porém o contributo de prestações como o subsídio de desemprego, o abono de família ou o rendimento social de inserção para a redução do risco de pobreza está a cair.

Segundo o Inquérito ao Rendimento e Condições de Vida, elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), as prestações sociais reduziram em 7,3 pontos percentuais a proporção da população em risco de pobreza em 2010. No ano anterior o contributo destas transferências foi de 8,5 pontos percentuais.

As alterações já efectuadas por este Governo ao nível das condições de atribuição das prestações sociais e as mudanças no subsídio de desemprego efectuadas no início deste ano (redução do limite máximo e corte de 10% no valor do subsídio no fim de 180 dias) ainda não foram tidas em conta. Por isso, frisam os investigadores ouvidos pelo PÚBLICO, no futuro o papel dos apoios sociais na diminuição da pobreza será ainda mais diminuto.

Contrato social em causa

"O Governo está a caminhar no fio da navalha", avisa Nuno Almeida Alves. "Aumentar impostos e reduzir prestações sociais é a quebra do contrato social", justifica.

Tanto Almeida Alves como Isabel Baptista consideram que se trata de opções ideológicas. "Este Governo crê que é preferível cortar nas prestações de desemprego e nas prestações sociais do que nos juros da dívida", defende o investigador do CIES.

Isabel Baptista vai mais longe: "É uma forma de olhar para a questão da pobreza e para o papel do Estado. Retira-se rendimento às pessoas para mitigar o problema da pobreza com outro tipo de medidas estigmatizantes e que não lhes dão autonomia". Além disso, afirma, as medidas acabam por ter efeitos "nefastos na economia", porque prejudicam o consumo.

Além disso, Isabel Baptista alerta para outros risco associados a estes cortes: o aumento da pobreza infantil, um indicador que deixa Portugal na cauda da Europa. O RSI tem tido um papel importante na redução da pobreza entre as crianças. Ao reduzir esta prestação, explica a investigadora, a motivação para que as crianças se mantenham na escola poderá esfumar-se e "pode haver o perigo de ressurgir o trabalho infantil".

Os dados de 2010 mostram que a taxa de risco de pobreza das famílias com crianças dependentes aumentou para 20,1%, mais um ponto percentual face ao ano anterior. Uma situação que é mais grave nas crianças que vivem em famílias monoparentais ou em agregados com mais de três menores, com taxas na ordem dos 27,9% e 34,5%.

Recuo no desemprego

A proposta enviada aos parceiros sociais na terça-feira, preconiza um corte transversal nas prestações sociais e pressupunha um corte de 10% no valor mínimo do subsídio de desemprego e no subsídio social de desemprego. Ontem, no início de uma ronda negocial com os parceiros sociais, o ministro Pedro Mota Soares decidiu retirar a proposta de redução do subsídio de desemprego e comprometeu-se a encontrar "alternativas" que garantam a inserção ao mercado de trabalho.

"O Governo decidiu alterar a redução do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego no seu limite mínimo encontrando alternativas que garantam que efectivamente há um incentivo ao regresso ao mercado por parte dos desempregados subsidiados", disse à Lusa.

Segundo João Proença, líder da UGT, que ontem reuniu com o ministro, a intenção do Governo é obrigar também os desempregados que recebem o subsídio mínimo a descontar 6% para a Segurança Social. Este desconto previsto no OE deixava de fora as prestações mais baixas.

Quanto às restantes prestações - RSI que leva um corte de 6%, CSI, complemento por dependência e subsídio por morte - o ministro não desvendou o que irá acontecer. Mas para João Proença reduzir prestações sociais "é claramente inaceitável".

A CGTP, que hoje se encontra com Mota Soares, considera que o diploma em negociações é um sinal de "enormíssima insensibilidade social" e de "profunda desumanidade do Governo".

O ministro lembrou contudo que o corte de 350 milhões de euros nas prestações sociais no próximo ano é uma obrigação assumida no memorando assinado com a troika.

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