Na capela de Rosslyn, em cada pedra há um enigma

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A aura da capela de Rosslyn é reforçada quando as visitas são complementadas com uma ida ao castelo de Roslin LUIS MAIO

Há muito cortejada pelos místicos, a Capela de Rosslyn converteu-se num dos principais santuários turísticos escoceses graças ao Código Da Vinci de Dan Brown. Quase tudo o que circula a seu respeito é pura fantasia, mas é mesmo verdade que a pequena igreja ao sul de Edimburgo dimana uma atmosfera especial.

Rosslyn é uma das igrejas esculpidas em pedra mais preciosas da Idade Média. Os seus interiores são decorados por toda uma galeria de figuras enigmáticas, sem óbvia conotação cristã, uma iconografia rara e nalguns casos nunca vista noutros templos da época. Daí os rios de tinta esotérica que especulam sobre a sua eventual ligação com os Templários, a Maçonaria ou o Santo Graal. Era, porém, um sítio mais frequentado por místicos, poetas e românticos, até ser chamada ao Código Da Vinci e se converter num lugar de peregrinação de massas. Hoje rivaliza com Loch Ness no top dos mistérios mais populares da Escócia.

O best-seller de Dan Brown foi publicado em 2003 e cenas da adaptação cinematográfica com Tom Hanks foram aqui rodadas durante uma semana, há dois anos. Antes Rosslyn recebia uns 30 mil visitantes ao ano, depois passaram a ser 120 mil, tanto que teve de sofrer uma intervenção de um milhão de euros, incluindo o restauro e um novo centro de interpretação. Mesmo assim, apesar das multidões e das restrições nas visitas, o sítio continua a exalar uma aura extraordinária, que se torna mais vincada quando se conjuga com a visita do vizinho castelo de Roslin.

A cripta "secreta"

"Existe na Grã Bretanha uma capela que contém um texto com centenas de blocos de pedras salientes. Cada bloco é esculpido com um símbolo, aparentemente sem uma ordem, mas criando um código, que os criptógrafos modernos nunca conseguiram decifrar. Mais recentemente ultra-sons geológicos revelaram a presença de um enorme subterrâneo abobadado, escondido por baixo da capela. Essa cave parece não ter entrada nem saída. Até hoje os curadores da capela não permitiram escavações".

A citação vem da rubrica Factos Bizarros do Código Da Vinci, integrada no site oficial de Dan Brown (www.danbrown.com/#/davinciCode/bizarreFacts). A existência de uma cripta em Rosslyn veio a confirmar-se um par de anos mais tarde, quando a capela foi fotografada em pormenor com tecnologia scanner 3D, mas também já se sabia que no canto sul da igreja havia uma porta que lá ia dar, entretanto fechada. Já a presunção de um código gravado na pedra, mais essa outra tese sugerida no Código - segundo a qual o nome Rosslyn declina Rose Line, pretenso meridiano de Paris, que supostamente também passa às portas de Edimburgo - são pura ficção.

Dan Brown terá, no entanto, inventado muito pouco, limitando-se a retomar no seu romance o perfume místico, decantado por uma profusa literatura esotérica desde meados dos anos 1950. De resto, a extraordinária beleza do sítio, uma vasta área de floresta à beira do canal Roslin, onde também se integram um castelo e um cemitério arruinados, há séculos que inspiram admiração e versos apaixonados, incluindo de autores tão marcantes da língua inglesa quanto Robert Burns, William Wordsworth e Sir Walter Scott (que chegou a viver ali mesmo ao lado).

Rosslyn foi, na verdade, a terceira capela edificada na propriedade da família Sinclair, descendente de cavaleiros normandos. Havia a capela do castelo, a do cemitério e finalmente esta fundada por William, Príncipe de Orkney, que a projectou como parte de uma igreja mais ampla de planta em cruz, chamada Collegiate Church of St Matthew The Apostle. As igrejas colegiais eram uma moda na época - só na Escócia havia umas 40 - e consistiam em ter um colégio de padres e meninos de coro, incumbidos de diariamente sagrarem missa e rezarem pelas almas dos proprietários e seus familiares (que nessa medida se consideravam melhor colocados para subirem aos céus).

Os trabalhos devem ter arrancado por volta de 1456, mas Sir William faleceu entretanto e o filho não quis ou não pôde desenvolver a igreja, limitando-se a mandar colocar um telhado sobre a capela do coro, onde o pai foi enterrado. Daí a exiguidade do templo de 20 metros de comprimento, dez de largura e doze de altura. A Reforma da Igreja Escocesa obrigou à destruição do altares e das figuras de santos católicos, em 1560, e obviamente ao encerramento da capela como lugar de culto público. Desde aí Rosslyn escapou mais ou menos intacta aos ventos da história, sendo inclusive renovada - altar novo, vitrais, substituição de pedras quebradas) e reaberta em 1861 pela Igreja Escocesa Episcopal, que nela continua hoje a celebrar culto, apesar da crescente pressão turística.

Quebra-cabeças medieval

Rosslyn pode ser pequena, mas dá pano para mangas. Para onde quer que o visitante se volte descobre esculturas fantásticas e enigmas a condizer. Uma das atracções maiores é o supracitado conjunto de 213 caixas que se destacam de arcos e pilares, cada um esculpido com o seu próprio padrão. A teoria avançada por Dan Brown segundo a qual se trata de um puzzle ainda por decifrar parece muito rebuscada. Já a equipa formada por Thomas e Stuart Mitchell, pai e filho, investigou a semelhança deste conjunto escultórico com os padrões produzidos por corpos em vibração, mais conhecidos por ondas Chladni. E assim produziram uma melodia chamada Rosslyn Motet. É engenhoso, mas também pouco convincente: porque raio haviam os arquitectos medievais de gravar essa ou, na verdade, qualquer outra melodia na pedra?

Também a peça mais famosa da capela é um quebra-cabeças. Trata-se do Pilar do Aprendiz, um dos três que se erguem na sua ponta oriental (são 14 no total). Cada um desses três pilares recebeu o nome de um grau do progresso maçónico, algures no século XVIII, mas há qualquer coisa que não bate certo quando o pilar mais artisticamente elaborado não é o do Mestre mas o do Aprendiz. A lenda reza que o pedreiro encarregue de executar o pilar achou o desenho de tal modo complicado que primeiro quis ir a Roma ver o original, tempo entretanto aproveitado pelo aprendiz para realizar a obra. Resultou numa obra-prima, o que deixou o mestre cheio de inveja, levando-o a dar o castigo máximo ao aprendiz, cuja cabeça rachou ao meio.

É o tipo de conto que faz sorrir meio mundo, mas: 1 - o enredo não era original e conheceu muitas variações entre a malta da construção do século XVIII; 2 - o próprio pilar exibe um apuro artístico realmente só ao alcance de um mestre-pedreiro. Mais pacífica é a teoria segundo a qual o Pilar do Aprendiz é uma declinação do mito norueguês de Yggdrasil, a Árvore do Conhecimento, tal como ela sustentado por um colar de dragões, de cujas bocas saem os ramos que se vão entrelaçando em torno da coluna. Esta semelhança parece também reforçada pela ligação dos Sinclair a Orkney e aos antecedentes noruegueses desta ilha escocesa.

Muito discutidas também são as esculturas de plantas, que foram identificadas com milho e aloé vera, apesar de desconhecidas na Europa na altura da construção da capela. Daí foi um passo até se conjecturar que essas representações vegetais eram uma prova de que os escoceses, em particular Henry Sinclair I, avô de William, teria estado secretamente do outro lado do Atlântico muito antes de Colombo lá chegar. Os especialistas consideram, porém, que estas esculturas são demasiado estilizadas para justificarem conclusões tão inusitadas. Mais provável é tratar-se de representações grosseiras ou descaracterizadas pelo tempo de plantas bem mais familiares.

Há ainda a colecção de mais de uma centena de Homens Verdes (cabeças de homens envolvidas por folhagem), iconografia que se sabe ter uma raiz pré-cristã e também se encontra noutras igrejas medievais, nomeadamente na Catedral de Glasgow. Seriam um produto da época, mas o que mais recentemente se veio a apurar é que a colecção de Homens Verdes de Rosslyn forma uma sequência representando o ciclo das estações (e da vida) desde a Primavera com as cabeças joviais e sorridentes a oriente, até ao Inverno e às cabeças-esqueleto da ponta ocidental da capela.

Tudo é (im)possível

A profusa decoração da capela justifica, mas está longe de esgotar a extraordinária reputação mística de Rosslyn. A cripta onde ninguém entra há séculos e um cem número de pistas enigmáticas são tão ou mais apelativos. Entramos no domínio do que não se vê, ou não se pode inferir do que se vê, mas que por isso mesmo arrasta multidões. Logo a começar pelo tema recorrente em todos os falatórios: a famosa cripta, onde os Sinclair se fizeram enterrar durante séculos, vestidos a rigor de armas e armaduras.

É suposto a dita galeria subterrânea guardar um tesouro fabuloso, que pode ser muitas coisas. Há uma carta datada de 1546, enviada por Marie de Guise, regente da Escócia e mãe da célebre Mary, Queen of Scots, a (outro) William Sinclair, respeitante a um "Segredo" que importa ser guardado. Podia ser uma arca cheia de jóias que na altura se dizia ter desaparecido do paço real escocês, mas é esquisito a regente falar em "Segredo" com letra maiúscula e comprometer-se a ser fiel ao súbdito, quando era suposto ser ele a declarar-lhe fidelidade. Seria algo bem mais valioso, sustentam os místicos, certamente algo mais do que riquezas materiais - qualquer coisa como o Santo Graal, a cabeça de Jesus ou papiros secretos, revelando detalhes da vida de Cristo.

Hipóteses que convergem na tese de Rosslyn ter sido um bastião Templário, ordem religiosa que chegou a ser favorecida pela coroa escocesa, construindo o seu quartel-general em Balantrodoch, agora Temple, a dois passos de Rosslyn. A ordem foi dissolvida na Escócia em 1307, mas há quem acredite que depois disso passou à clandestinidade, guardando os seus tesouros religiosos nas profundezas da capela vizinha. Chegados ao século XVIII, o quarto conde Sinclair foi declarado Grande Mestre Maçon na altura em que a Maçonaria se assumiu publicamente na Escócia, sugerindo que a família já detinha esse cargo em segredo, a título hereditário. Os Sinclair seriam, portanto, o elo perdido entre os Templários e a Maçonaria.

A febre mística tornou-se ainda mais delirante quando, em 1982, um trio de "especialistas" britânicos (Baigent, Leigh e Lincoln) publicou O Sangue de Cristo e o Santo Graal, estabelecendo uma conexão até aí insuspeita entre a escocesa Rosslyn Chapel e a francesa Rennes-le-Château. A ligação reconduzia a Pierre Plantard, auto-intitulado Saint-Clair e líder do chamado Priorado do Sião. Autor de um extraordinário embuste, que começou como incentivo turístico para um hotel do sul de França, o Priorado do Sião apresentou-se como uma sociedade milenar, encarregue de proteger a linhagem secreta que teria começado na união carnal de Jesus e Maria Madalena, passado pela dinastia Merovíngia, para chegar finalmente a Plantard. Uma vez que o apelido da família era o mesmo, Rosslyn teria também sido habitada por descendentes de Cristo e poderia muito bem guardar o Santo Graal ou outras preciosidades do género.

Foram estes rumores, que agitaram os circuitos místicos dos anos 1980, que Dan Brown recriou num best-seller policial. Claro que nenhum dos "mistérios" em causa resiste à verificação histórica. Os Sinclair foram Cruzados, mas não Templários e, apesar da vizinhança, não hesitaram em denunciá-los, quando a ordem enfrentou os tribunais escoceses. A assunção dos Sinclair como maçons no século XVIII deve-se à força das circunstâncias, valendo sobretudo um acto político destinado à Maçonaria escocesa não perder a face em relação à inglesa, que se lhe antecipou na declaração pública. A ligação a Rennes-le-Château e à descendência de Cristo não tem, por sua vez, nem pés nem cabeça.

Resta a atmosfera especial que se respira na secular propriedade dos Sinclair. Na capela, mas também no castelo de Roslin, verdadeiro cliché da Escócia romântica, muito menos visitado do que ela (fica longe da estrada, não há placas a indicar o caminho, o castelo não se vê da capela). O nome Rosslyn deriva da conjugação das palavras gaélicas para rocha e espuma de água, devendo-se à sua localização nas imediações do rio North Esk. Os rochedos desabaram ou foram retirados para construção, de modo que o rio já não é tão estrondoso. Mas o bosque que o rodeia é assim mesmo de uma beleza extraordinária.

O castelo meio arruinado emerge dessa paisagem frondosa como uma miragem saída de um conto de fadas. Primeiro construído em 1330, no sítio em que uma pequena força escocesa venceu uma enorme tropa inglesa, o castelo foi edificado no alto de um promontório, protegido a três quartos por uma vala profunda. Isso não impediu que fosse várias vezes destruído (pelas armas, mas também pelo fogo) e reconstruído, a aparência actual datando de finais do século XVI. Impressiona a ponte de pedra que lhe dá acesso sobre o abismo, a ruína do antigo portão à entrada, o edifício de cinco andares construído a toda a altura do promontório, ainda emoldurado por grossas muralhas defensivas. Também aqui há lendas que falam de um tesouro escondido nas caves, guardado por uma formosa dama adormecida. Ou será verdade que um conde italiano foi lá desencantar uma preciosa história da Escócia, desde então guardada a sete chaves na Biblioteca do Vaticano?

O Público viajou a convite do Turismo Britânico

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