Francisco Sande e Castro partiu sem saber onde vai dormir

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É uma viagem sem datas nem metas, mas com estimativas: será coisa para dois anos, sempre de mota, à volta do mundo.

O encontro com a Fugas estava marcado para logo a seguir ao almoço. Antes de partir para os primeiros quilómetros da sua viagem de dois anos à volta do mundo em moto, Francisco Sande e Castro almoçou com os amigos num restaurante em Sintra. A moto estava estacionada à porta, Sande e Castro já estava equipado para tirar as fotos para a Fugas com a sua Honda Crosstourer e as chaves estariam num dos bolsos do casaco. Mas qual? Passaram dez minutos e a chave apareceu, depois de ter virado o casaco do avesso. Alívio. A partida não ficaria adiada. Só leva uma cópia da chave? Sorri. "Sim, mas se calhar, devia pedir outra..."

Francisco Sande e Castro, 57 anos, piloto, empresário, ex-proprietário de uma editora discográfica (foi ele que editou os primeiros discos dos Delfins e dos Sétima Legião) e jornalista ocasional, é o primeiro português que se propõe a dar a volta ao mundo numa moto, uma Honda VFR 1200X Crosstourer, cedida pelos representantes em Portugal da marca japonesa. Vai sozinho, não podia ser de outra maneira. Passou anos a pensar no assunto, à espera que as estrelas estivessem alinhadas, à espera do momento perfeito. Que nunca chegou. "Já há uns anos que pensava nisso. Como todos os sonhos, uma pessoa tem tendência a pensar: ainda não é agora. Agora tenho a vida mais ou menos arrumada e decidi que se não fosse agora, já não era. Claro que há coisas que me atrapalham um bocado a vida, mas se estivesse à espera que ficasse tudo certinho, nunca ia", confessa Sande e Castro.

Serão mais de 70 mil quilómetros através de mais de 50 países, um percurso planeado que poderá não seguir exactamente à risca. "Não tenho datas nem metas estabelecidas. E não vou fazer tudo de seguida. Com calma e sem stress", diz Sande e Castro, que não tem alojamento marcado e leva tenda e saco-cama para aqueles momentos em que não tenha cama para dormir - e nunca irá ficar em hotéis de cinco estrelas, a viagem já custou demasiado (cerca de 50 mil euros, suportados pelo próprio quase na íntegra) para ter esses luxos.

A mota está pesada, talvez demasiado para os percursos em terra que terá obrigatoriamente de fazer, e por isso vai andar em alcatrão sempre que possível. Mas fora das auto-estradas. E viajar de dia. Nunca de noite. "Principalmente fora da Europa é sempre muito perigoso andar à noite", refere Sande e Castro, que irá fazer pausas entre longas travessias para regressar a casa por uns dias.

Os seus primeiros destinos estão mesmo aqui ao lado. Partiu de Sintra, em direcção à Andaluzia, e Barcelona foi o seu destino seguinte. Primeiro vai apostar no sul da Europa, um continente que conhece bem, depois começa a verdadeira aventura. Turquia, seguida de Irão, antigas repúblicas russas e Índia. Na Ásia, um continente que pouco conhece, não irá passar pela China. "Eles exigiam que levasse um guia local para me acompanhar de carro e eu achei que isso cortava o espírito da viagem." A Rússia vai ser outro "gigante" por onde não vai passar. E o Paquistão também pode levantar alguns problemas, mas Sande e Castro diz que tem um contacto que o está a ajudar. "Há países que são complicados de entrar e provavelmente vou ter de ficar dois e três dias nas fronteiras a tratar de vistos."

Na América, vai entrar pela costa do Pacífico, em São Francisco, ir a Los Angeles, fazer a travessia até à costa atlântica, descer para Cuba, atravessar a América Central e descer a América do Sul, visitando Brasil, Argentina e outros (mas não todos). "Talvez a Ásia seja o que tenha mais curiosidade de visitar. Mas a Austrália também. Vou ficar lá bastante tempo", observa. Em África, vindo da América do Sul, vai entrar por Angola até à África do Sul, passar pelo Botsuana, ir a Moçambique, subir pelo Quénia, Tanzânia e Sudão, e passar pela Líbia e Tunísia, que será a sua porta de regresso à Europa.

Aos 57 anos, esta é mesmo a grande (e talvez última) aventura de Sande e Castro. Nem pensa, depois de acabar esta aventura de dois anos, fazer algo semelhante - ele que já fez travessias de África em automóvel quando participou no rali dos ralis, o Dakar (que, no ano em que participou, saiu de Paris e chegou à Cidade do Cabo), mas nunca em duas rodas. Dois acidentes graves em competição no início de carreira como piloto afastaram-no das motos, mas são elas que lhe dá mais prazer conduzir nestes tempos de muitos limites. "É mais divertido andar na estrada de moto do que de carro. Com os limites de velocidade, já não me dá muito gozo andar de carro, de moto, mesmo devagar, dá-me prazer."

Sande e Castro sente-se mais que preparado para a aventura. "Não faço uma preparação física especial. Nunca fumei, sou saudável... Quando fazia corridas de automóvel fazia ginásio, corria imenso, mas não gostava nada de fazer exercício, era uma obrigação. Sinto-me lindamente e espero não ter problemas. Sei que é exigente, mas também é por isso que vou com calma", diz. Estando sozinho, não vai ter de negociar horários e itinerários. Vai poder parar quando quiser, seja para dormir, para ler o livro que leva na bagagem - para esta primeira porção da viagem, A Rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo, o segundo volume da trilogia Millennium de Stieg Larsson - ou para dormir no saco-cama à beira da estrada. E com a chave sempre em sítio seguro.

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