Morreu o reverendo Moon, o homem que dizia ser a reencarnação de Deus

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A igreja de Moon decretou um luto de 13 dias antes do funeral de Sun Myung Moon, a 15 de Setembro ISSEI KATO/REUTERS

Jesus confessou-lhe o fracasso da sua vida terrena. Moisés também falou com ele. Fundou uma igreja dedicada à família mas em que a sua é "a primeira". Conquistou milhões de seguidores e enriqueceu

Em Março oficializou um casamento colectivo (2500 pessoas), em Junho dirigiu uma missa para 15 mil fiéis, em Agosto constipou-se, teve uma pneumonia e foi hospitalizado. Morreu de domingo para segunda-feira, aos 92 anos. Sun Myung Moon era o líder da Igreja da Reunificação, que criou na Coreia do Sul nos anos de 1950 e tem milhões de seguidores em todo o mundo.

A igreja de Moon decretou um luto de 13 dias antes do funeral, a 15 de Setembro. O "pai", como lhe chamavam, será sepultado em Cheonseung, a montanha perto do lugar onde vivia. "Ele era o nosso pai e o messias de Deus. O seu corpo foi feito por Deus e por isso acreditávamos que viveria até aos cem anos", disse o que era seu ajudante, Bo Hi Pak, citado pela Reuters. O mais novo dos filhos de Moon, Hyung-jin Moon, de 28 anos, já era o líder da igreja desde 2008 e é o sucessor.

A história do reverendo Moon começa na manhã de Páscoa de 1936. Contou anos mais tarde, já em Seoul, que nesse dia em que tinha 12 anos estava a rezar numa montanha na sua terra (nasceu onde é hoje a Coreia do Norte) e Jesus apareceu-lhe para lhe dizer que tinha deixado a sua missão inacabada e que cabia a Moon finalizá-la. Ou seja, salvar o mundo.

O rapaz - que pertencia a uma igreja presbiteriana e, depois, esteve numa pentecostal - começou a pregar e a planear uma forma de fazer o que lhe mandavam (também lhe apareceu Moisés).

O cristianismo não se preocupou por Jesus ter aparecido a um sul-coreano de 12 anos naquela data em que a Coreia se debatia contra o Japão pela independência. Anos mais tarde, Moon inaugurou a sua Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial (agora chamada de Federação das Famílias para Unificação e Paz Mundial), a 1 de Maio de 1954 (o ano a seguir ao armistício que acabou com a guerra da Coreia, que se tornou dois países). O que foi inaceitável para o grupo alargado dos cristãos divididos em religiões várias foi a tese de que Jesus confessou ao sul-coreano que falhara a sua missão e que ele era o seu herdeiro. Um messias, portanto.

A polémica esteve sobretudo acesa nas décadas de 1960 e 1970. Mas Sun Myung Moon nunca deixou de usar as frases que tanta polémica causaram - e que lhe garantiram tantos seguidores. Duas das suas favoritas: "Deus vive em mim e eu sou a sua reencarnação". "Tenho o mundo na minha mão e vou conquistá-lo e subjugá-lo".

Apesar da legenda a dizer "heresia" debaixo do moonismo - como se tornou conhecida a igreja ou seita, depende de quem fala -, o reverendo cativou milhares de coreanos e, depois, milhões de pessoas em todo o mundo. Pelo caminho, e misturando igreja e negócios privados, Moon criou um império económico internacional, controlando jornais sul-coreanos, fábricas de armamento, universidades, empresas de distribuição e possuindo vastas porções de terra (no Brasil, por exemplo).

O reverendo negou as acusações de manipulação dos seguidores para proveito financeiro, mas foi preso quando morava nos Estados Unidos (1970/80) e condenado a 11 meses de prisão por fraudes e fuga ao fisco.

Os críticos acusaram-no de fazer lavagens ao cérebro dos membros da sua igreja. Nos rituais moonistas estão as missas campais e os casamentos em estádios, a virgindade até ao casamento e o juramento de fidelidade eterna para a preservação da família. Os inimigos denunciaram práticas déspotas: Moon decidia quem casaria com quem. E chamaram-lhe hipócrita: o reverendo casou duas vezes, primeiro com uma mulher que não quis participar do ímpeto religioso do marido, depois com Hak Ja Han, que se tornou a "Verdadeira Mãe" e os seus dez filhos tornaram-se a "Verdadeira Família". O casal era o Verdadeiro Pai e a Verdadeira Mãe dos seguidores.

Regressado à Coreia, Moon manteve-se polémico ao criar laços com o líder norte-coreano Kim Il-sung - enviou uma delegação ao funeral de Kim Jong-il - e ao dizer que o Holocausto foi o castigo de Deus contra os judeus por terem morto Jesus.

Agora morreu e o culto da personalidade ganhou outra dimensão. Será construído um altar. "É como se o céu tivesse caído sobre nós e o mundo se tivesse desfeito", escreveu um seguidor na página da igreja na Internet. Outro: "Era o rei dos reis eternos, o messias da humanidade, permanecerá para sempre no nosso coração".

Bo Hi Pak disse que são esperadas dezenas de milhares de pessoas no funeral, muitas delas estrangeiras.

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