Finanças desmentem conflito com a troika sobre benefícios fiscais a estrangeiros

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Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Uma circular do fisco "apagou" os litígios ligados aos pedidos de "residentes não-habituais" para reduzir o IRS durante dez anos

Numa circular do fisco, o Governo deu razão aos contribuintes que pediram o benefício fiscal de "residente não-habitual" e que estavam em litígio com o fisco desde 2009. O Governo desmente contradições com o memorando da troika e qualquer intervenção do secretário de Estado Paulo Núncio nas mexidas que vieram beneficiar antigos clientes seus, quando era advogado do escritório Garrigues & Associados.

O regime fiscal dos não-residentes foi criado em 2009 (decreto-lei 249/2009) como forma de incentivar a residência em Portugal de profissões de "elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico", de investidores e administradores. Mas, segundo os advogados ouvidos pelo PÚBLICO, o fisco era contrário à sua aplicação.

O incentivo corresponde a uma taxa de IRS de 20% durante dez anos, renováveis. E a portaria 12/2010 fixou as profissões. Entre outros, arquitectos, engenheiros, artistas plásticos, actores, auditores, médicos, professores, profissões liberais, investidores e administradores.

Dado o atraso na aprovação da portaria, o regime apenas foi aplicado em 2010 (circular 2/2010 da AT). Era preciso reunir três condições: serem fiscalmente residentes em Portugal, comprovarem a anterior residência no estrangeiro e não terem sido tributados em IRS em qualquer dos cinco anos anteriores.

As condições geraram litígios entre o fisco e contribuintes, representados por escritórios de advogados, nomeadamente a Garrigues & Associados, a Ricardo Palma Borges & Associados e consultoras, como a Deloitte e a PwC.

Em causa estavam requisitos que não estavam na lei (como certificados de tributação efectiva e de residência no estrangeiro) e o prazo para o pedido que não estava na lei nem na circular. O fisco entendia ser a 31 de Dezembro (data-limite da relação tributária em IRS). Do lado dos requerentes, defendia-se que o contribuinte apenas poderia aferir se era fiscalmente residente a 31 de Dezembro, ou seja, com o prazo já passado, levando ao chumbo.

Face a esse contencioso, o Governo deu razão as contribuintes. No OE rectificativo de Maio passado (Lei 20/2012), emendou o Código de IRS. Alargou o prazo de apresentação dos pedidos para 31 de Março do ano seguinte e alterou as regras de acesso. A circular 9/2012 da AT fixou que os pedidos feitos até 15 de Maio de 2012 eram "considerados tempestivos", o que surge ao arrepio da anterior posição do Fisco.

Ao PÚBLICO, o gabinete de Vítor Gaspar esclareceu que "as alterações aprovadas no OE rectificativo respeitam unicamente à clarificação de aspectos de ordem meramente procedimental e administrativa". E que, por isso, "não se verifica qualquer conflito" com a troika que impeça o alargamento de benefícios fiscais. Os advogados dos contribuintes aplaudem a medida: desbloqueia contenciosos actuais, evita novos e é mais atractiva.

A nota garante que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) não teve intervenção nas alterações legais. Estas tiveram "por base as propostas apresentadas pela Autoridade Tributária" (AT). Paulo Núncio apresentou uma declaração de conflito de interesses e, por isso, "considerou-se impedido de se pronunciar sobre as referidas propostas da AT e remeteu-as para apreciação do senhor ministro de Estado e das Finanças". Vítor Gaspar autorizou-as, bem como "à consequente alteração" da posição da AT em circular aos serviços.

O Ministério das Finanças não esclareceu o PÚBLICO sobre quantos casos foram já deferidos, qual a receita fiscal não obtida e quais as profissões beneficiadas até agora.

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