Estudo espanhol diz que música está cada vez mais igual

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O estudo analisou quase 500.000 canções de variados géneros Imagem: DR

Nos últimos 55 anos, as canções tendem a ser cada vez mais uniformes. Recorre-se às mesmas notas, instrumentos e timbres, inova-se e arrisca-se menos quando o assunto é música. Estas são as conclusões de uma investigação espanhola do Conselho Superior de Investigação (CSIC). Em Portugal, quem estuda música, os que a passam na rádio ou se habituaram a agitar plateias a partir do palco defendem, no entanto, que a originalidade não está em risco.

Um vídeo (ver em baixo) que se tornou viral no YouTube quando foi publicado em 2010 pelo trio cómico Axis of Awesome mostra que, com apenas quatro acordes, se pode tocar metade da história do rock. Desde Beatles a Red Hot Chili Peppers, de U2 a Eagle Eye Cherry, tudo é feito com as mesmas sonoridades. Agora, a investigação do espanhol CSIC, dirigida por Joan Serrá do Instituto de Investigação de Inteligência Artificial, vem atribuir mais seriedade ao assunto que atraiu milhares na Internet.

Os investigadores analisaram 461.111 temas de géneros musicais distintos nos últimos 55 anos e concluíram que a música moderna é mais repetitiva e monótona no que respeita a timbres, notas e instrumentos do que a que se fazia até meados da década de 1950.

Foram incluídas canções dos universos do rock, da pop, do hip hop, do metal e da electrónica, editadas entre 1955 e 2010, que constavam de uma base de dados da Universidade de Columbia, em Nova Iorque. O estudo foi publicado, no mês passado, na revista britânica Scientific Reports.

Os investigadores olharam para as canções como se fossem textos e decompuseram-nas em vários parâmetros, concluindo que as transições entre grupos de notas têm vindo a diminuir: “Estes parâmetros nas canções são como as palavras de um texto e temos observado que cada vez há menos palavras diferentes”. Além disso, garante Joan Serrá em comunicado, é cada vez mais fácil prever qual é a nota que se segue.

O director adjunto da Antena 3, José Mariño, está habituado a criar as playlists da estação e considera que o estudo faz sentido no que toca à repetição de notas e sonoridades. “Sempre que alguém consegue uma fórmula de sucesso, parece que aparecem logo produtos e artistas que exploram a mesma forma e pensam: ‘O sucesso está lá, então vamos seguir que pode ser que a coisa vingue”, diz ao PÚBLICO.

Já Pedro Boléo, crítico de música do PÚBLICO e investigador no Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança (INET-md), diz que é preciso “ter algumas reservas” quando se lê o estudo, pois, embora haja uma uniformização musical nos últimos anos, “a estatística desconhece a larga margem de produção diferenciada”.

Outro dos enfoques do estudo é a cada vez menor experimentação por parte dos artistas. “Nos anos 60, grupos como Pink Floyd experimentavam muito mais com a sonoridade do que agora”, defende Serrá no comunicado.

Segundo o estudo, é como se os músicos se sentissem menos inspirados ou menos dispostos a correr riscos.

“Em Portugal, não acredito que isso seja verdade”, acrescenta Boléo. “Há uma grande dose de uniformização, e produtos ‘prontos a servir’, mas desde os anos 90 que há também mais educação musical e mais gente a tocar bem produtos originais.”

O guitarrista da banda portuguesa Xutos & Pontapés, Zé Pedro, também não aceita a tese da uniformização pura e simples. “O sucesso cria-se pela surpresa, se da segunda vez fizermos as coisas da mesma forma, já não vamos ser bem-sucedidos”, diz. Zé Pedro defende que, além das boas gravações, as actuações ao vivo são essenciais para comunicar com o público e arriscar em termos musicais.

Se, por um lado, a Internet veio facilitar a experimentação ao permitir produzir música a baixos custos, por outro potenciou o contágio musical e diluiu as fronteiras entre géneros. “Nos dias que correm, quem se quiser afirmar tem mais dificuldade, porque a oferta é muito maior”, diz Mariño, acrescentando, no entanto, que ainda existe diversidade, embora seja difícil de encontrar junto dos consumos comerciais.

O estudo conclui ainda que hoje a música é mais barulhenta por ser gravada com volumes mais altos para captar mais facilmente a atenção dos ouvintes e atenuar a menor qualidade das placas de som dos computadores. Para Zé Pedro, esta tendência nas gravações decorre da falta de qualidade dos suportes em que ouvimos música. Para compensar, diz o guitarrista dos Xutos, os produtores sobem o volume para que a música não deixe de “ser sentida no interior, no estômago, no coração, nos órgãos”.

Pedro Boléo defende que o problema também deve ser visto da óptica do público, que insiste numa “escuta normalizada” em aparelhos de baixa qualidade. “Só a experiência do concerto permite ouvir de uma forma requintada, mas [por norma] as pessoas satisfazem-se com o reconhecimento das canções, o que é contraditório com o que a tecnologia permite.”

Os investigadores do Conselho Superior de Investigação espanhol concluem, assim, que os instrumentos comuns e o aumento do volume são os ingredientes da música actual. Estas características, quando transpostas para temas antigos, podem fazer com que soem a canções novas.

Para o director adjunto da Antena 3, é natural que esta situação aconteça mas, com os mesmos argumentos, “há sempre quem consiga ir refrescando”. Mesmo que recupere “sonoridades de outros períodos”.

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