Leituras de praia para os mais novos

Foto
bernardo carvalho/

Duas novas colecções de aventuras e dois prémios literários são boas sugestões para levar na bagagem de férias. O PÚBLICO quis conhecer os autores destas novidades e deu de caras com quatro jornalistas. Resumo das motivações e dos métodos de trabalho para quem se inicia na literatura para a infância e juventude

Um caderno com vida própria

O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca

Texto: Ana Pessoa Ilustração: Bernardo Carvalho Edição Planeta Tangerina 150 págs., 14€

Ana Pessoa já participou em vários concursos literários e ganhou alguns. O mais recente foi o Branquinho da Fonseca 2011, na modalidade de Literatura Juvenil, com O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca. "A personagem karateca já existia há algum tempo mas só a concretizei ao decidir concorrer ao prémio. Alguns textos já têm vários anos, nomeadamente os que reflectem mais sobre a língua (a sinonímia e a frase sem fim) e as histórias paralelas ("A bruxa má", "A mosca que não sabia quem era")", diz ao PÚBLICO, via email, a meio de uma viagem pelo Vietname.

O prémio é atribuído pelo jornal Expresso e pela Fundação Gulbenkian e, além dos 5000 euros que o autor recebe, garante a edição.

A autora trabalha como tradutora no Comité Económico e Social Europeu, em Bruxelas, e faz questão de negar que o seu primeiro livro seja um diário de uma adolescente insegura. Apresenta-o assim: "O Caderno Vermelho é, antes de mais, um caderno de apontamentos. Não é um diário com um discurso intimista e angustiado. É um caderno, no qual a N, lutadora, explora a sua criatividade e se liberta. Escreve sobre o irmão, sobre o karaté, sobre as amigas, mas também sobre o método científico, sobre o próprio caderno e inventa histórias que não têm nada que ver com o seu dia-a-dia. É uma personagem forte e autoconfiante, não anda mal com o mundo. Mas questiona-se sobre ele."

Com 29 anos, Ana Pessoa diz não pensar num público específico quando escreve: "Quando terminei a karateca, não tinha a certeza se tinha escrito um livro juvenil. Eu queria que O Caderno Vermelho fizesse sentido para os outros, mas este não foi o ponto de partida. Interessa-me sobretudo escrever mais e melhor, não para um grupo-alvo específico."

No entanto, admite que "este texto não foi acidental". E explica: "Agrada-me escrever sobre personagens que questionam e andam à procura de uma verdade interior. Tenho lido alguma literatura juvenil e gosto. É um público legítimo e exigente. A adolescência é uma fase da vida muito interessante, envolve questões muito complexas, tem imensas possibilidades e territórios por explorar."

O livro veio estrear a edição "para mais crescidos" do Planeta Tangerina e a autora ficou muito contente com o resultado: "Tivemos duas reuniões e muitas trocas de emails durante o processo. Mas estamos a falar do Bernardo Carvalho e do Planeta Tangerina. Sou um pigmeu ao lado deles. Nunca pensei publicar um livro tão bonito, de capa dura, com ilustrações tão fantásticas."

E a seguir? "Estou sempre a escrever coisas novas. De vez em quando, acho que tenho uma ideia boa e ando atrás dela muito tempo. Depois, chego à conclusão de que era péssima e desisto. Ter um prazo é bom, porque me faz trabalhar e concluir qualquer coisa num determinado período. Estou a trabalhar um texto que poderá vir a ser outro livro juvenil, mas é possível que daqui a uns meses me aperceba de que a ideia é péssima. Hoje, porém, acho que é uma boa ideia."

O livro teve uma tiragem inicial de 2000 exemplares e Isabel Minhós Martins, editora do Planeta Tangerina, espera "continuar a trabalhar com a autora" nesta nova colecção: "Dois Passos e Um Salto".

Um gato e um aspirador

O Gatuno e o Extraterrestre Trombudo

Texto: Maria João Lopes Ilustração: Paulo Galindro Edição Dinalivro 32 págs., 13€

Maria João Lopes frequentou um workshop com o autor David Machado sobre escrita para crianças e acabou a concorrer ao Prémio Branquinho da Fonseca 2011, na modalidade Literatura Infantil. Ganhou.

A jornalista freelancer conta-nos como foi: "O David pediu-nos uma ideia-base para desenvolver nas sessões do curso. Eu ainda não tinha nenhuma, mas, por esses dias, estava em casa com uns amigos e alguém ligou o aspirador. O meu gato deu um salto e ficou muito assustado."

Começou então a pensar em "pôr um gato a achar que o aspirador é um extraterrestre que os donos levaram lá para casa". O escritor gostou da ideia, mas disse-lhe: "Uma boa ideia não resolve a história." Havia que pensar numa "série de maldades e trabalhá-las".

Na última aula, a sua história O Gatuno e o Extraterrestre Trombudo estava completa e foi lida para todos: "Houve sugestões, trocámos opiniões e rimo-nos. Acho que eles gostaram." David Machado (que venceu este prémio em 2006, com A Noite dos Animais Inventados) lembrou que os concursos eram uma boa forma de os novos autores se lançarem. Na altura, estavam abertas as candidaturas ao prémio. "Eu estava no limite da idade [30 anos] e nem sabia se podia concorrer", recorda Maria João Lopes. Podia.

"Com calma, fui polir a casa." Isto é, fazer pequenas alterações ao texto produzido no workshop da Escrever, Escrever. "Coisas cirúrgicas, para a história ficar mais limpa." Resultou.

"Na primeira reunião com a editora para definir formato e ilustração, a minha timidez de iniciada não me permitiu sugerir ilustrador, mas já tinha pensado no Paulo Galindro." De novo, a influência do trabalho de David Machado, que tem um livro ilustrado por ele, O Tubarão na Banheira (Presença). "Pensei que o tipo de humor do Paulo iria jogar bem com a minha história." Sorte que, por entre os nomes sugeridos pela Dinalivro, lá estava o dele.

Não houve grande interferência no trabalho do ilustrador, mas Maria João Lopes já nem consegue imaginar as suas personagens com outros rostos. E ressalva que, sendo certo que o prémio foi dado "só" ao texto, "o livro é agora uma co-autoria".

A sua primeira experiência de contacto com os pequenos leitores correu muito bem. Foi com os alunos do 1.º ciclo do colégio Torre dos Pequeninos, em Santo Tirso. "Conheciam bem a história, perguntaram-me tudo e mais alguma coisa, imitaram os desenhos do Paulo e ainda incriminaram o Extraterrestre Trombudo por umas malandrices... que apareceram escritas lá na escola."

Se a obra for bem aceite pelo público (edição inicial de dois mil exemplares), a autora gostaria de criar mais algumas aventuras com o Gatuno. Ou talvez recuperar outras histórias que já escreveu para crianças, mas "que ficaram guardadas na gaveta... do computador".

Aventuras a dois

Mistério no Pavilhão de Portugal /Ameaça no Vale do Douro

Texto: Maria Inês Almeida e Joaquim Vieira; Ilustração: Zé Nova e Ana Freitas. Edição Porto Editora 145 págs., 7,50€

Dois adolescentes, colegas de turma, resolvem casos misteriosos, mas nunca deixam de se preocupar com os problemas do mundo. "São histórias sem lições de moral, mas atentas à solidariedade e à ajuda aos outros", diz Inês de Almeida (34 anos). "Houve preocupação em transmitir certos perfis e valores. Escrever para jovens implica uma escrita e uma atitude diferentes", afirma Joaquim Vieira (61).

A ideia de escreverem a colecção nasceu depois de um outro projecto conjunto dos dois jornalistas não ter avançado. "Como ambos já tínhamos experiência na área editorial, acabámos por desembocar aqui", diz ele. "Havia a vontade de fazer uma coisa em conjunto, dado que ambos já tínhamos experiência (o Joaquim em obras para adultos e eu para os mais jovens), juntámo-nos a meio caminho. Foi um desafio", diz ela.

Os cenários onde as acções decorrem foram escolhidos por consenso e os nomes das personagens também. Sobre a inspiração em jovens que conheçam, Joaquim Vieira responde: "É bem possível que nos inspiremos em jovens conhecidos, mas é difícil dizer. As influências podem ser múltiplas." Maria Inês completa: "Trata-se de uma ficção e não de um retrato biográfico, mas é de alguma forma inspirada nas nossas experiências com jovens. E até no nosso passado enquanto jovens."

Contam-nos o seu método de trabalho. Joaquim Vieira: "Juntamo-nos para definir a arquitectura básica de cada história. A partir desse esqueleto, tentamos concretizar individualmente capítulos do texto, dando conta permanente dos nossos avanços através de email. Cada um de nós vai acrescentando ao que o outro escreve, complementando o trabalho. Juntamo-nos no fim, de novo, para homogeneizar a narrativa."

Maria Inês Almeida: "Como estamos em interacção, estamos sempre a reagir ao que o outro diz. E portanto isso faz com que possamos confrontar o resultado final e apurá-lo."

Não escondem que discutem muito, "no bom sentido", mas divertem-se "ainda mais". Maria Inês especifica: "Nós divertimo-nos desafiados pelas personagens. Elas começam a provocar-nos. Às vezes, quando dialogamos, entramos numa ou noutra personagem. Do tipo: "Ah, mas agora a Marta diz-lhe: "Duarte, vai jogar Solitário!"" Esta é uma expressão que a Marta usa quando quer "calar" o Duarte. Sermos de gerações diferentes faz-nos ter sensibilidades complementares. São formas diferentes de ver o mundo. E o mundo está a fazer-se, não está feito. Como nós."

E ambos estão satisfeitos com o produto final, que dizem destinar-se a leitores dos nove aos 14 anos. "Estes livros não são só escrita, são também expressão gráfica. Do ilustrador, da equipa de marketing, das nossas editoras. É um conjunto. O Zé Nova e a Ana Freitas, responsáveis pelas ilustrações, estão de parabéns." E acreditam que "isso também vai ajudar os leitores a despertar para os livros.

Têm vontade de ir a escolas dar a conhecer estas aventuras, que, para Joaquim Vieira, "estão na linha dos livros dos Cinco, de Enid Blyton, mas com novas formas de comunicação e explorando temas actuais, sem esquecer valores importantes".

Está prevista a publicação de três a quatro títulos por ano. Do primeiro volume (Mistério no Pavilhão de Portugal) foram impressos 6500 exemplares e do segundo (Ameaça no Vale do Douro), 5000.

Redescobrir a mitologia grega

No Labirinto do Minotauro/O Túmulo Perdido

Texto: Bárbara Wong e Ana Soares Ilustração: Patrícia Furtado. Editora Alfaguara/Objectiva 168 págs., 11,90€

Depois de verem o projecto recusado por três editoras, Bárbara Wong e Ana Soares conseguiram dar a conhecer as suas cinco personagens que se aventuram pela Grécia e a quem os deuses irão confiar uma grande responsabilidade.

"Decidimos apresentá-lo à Alfaguara/Objectiva por gostarmos dos autores que publicavam. Enviámos a proposta e passado pouco tempo recebemos um convite para uma reunião. A editora recebeu o projecto com grande entusiasmo e queria-o todo, ou seja, não só os livros, mas os materiais para os professores e o site interactivo a pensar nos leitores." Porque os episódios desta colecção vão para além dos livros, têm continuação/interacção no site Olimpvs.net.

Depois da primeira reunião, começaram logo a trabalhar. "Pouco tempo depois, foi-nos apresentada a Patrícia Furtado, ilustradora, que começou logo a imaginar as nossas personagens", contam num email escrito em conjunto. Co-autoras do blogue Educar em Português, Bárbara Wong (jornalista do PÚBLICO) e Ana Soares (professora de Português) sentiam "que havia uma lacuna no mercado no que diz respeito à faixa etária e ao tema de fundo da colecção: os clássicos da mitologia grega". E justificam: "Os miúdos vibram com vampiros, lobisomens, feiticeiros mas, na génese de tudo isso, estão os gregos, e eram esses que queríamos dar a conhecer."

Definem juntas todos os pormenores e dizem que as personagens não são o retrato de ninguém em particular, mas sim "o fruto da experiência e contacto com crianças e jovens". Os nomes não foram escolhidos ao acaso, houve a preocupação de os adequar aos deuses que cada um ia encarnar: "O Zé é Zeus, a Alice é Atena, o António é Apolo, o Pedro é Poseidon e a Mel (Amélia) é Afrodite."

O processo criativo desenrola-se assim: "Partilhamos ideias e criamos consensos! Muitas vezes este trabalho é feito com a participação de quem vai circulando lá por casa, miúdos e graúdos, que nos dão dicas e deixas para um diálogo ou momento que ainda não tínhamos descoberto como fechar, e isto torna tudo ainda mais divertido."

Amigas há 20 anos, não se lhes conhece discussões, embora o editor as tenha avisado de que iriam discutir, "mas que isso era positivo". Por enquanto, é só diversão. "Às vezes rimo-nos dos nossos próprios textos quando os relemos, ficamos emocionadas e entusiasmadas com as aventuras e desventuras dos nossos heróis."

Estão muito satisfeitas com o trabalho da ilustradora Patrícia Furtado: "Tem imensa paciência para nós." Sobre a regularidade de publicação, dizem: "A que a criatividade ditar e o público pedir!" Para já, os dois primeiros volumes tiveram tiragens de 2000 exemplares, tendo como público-alvo pré-adolescentes e adolescentes. "E, como tivemos a preocupação de criar materiais para os professores, esperamos que as escolas nos convidem."

Algumas das qualidades que Fernando Pinto do Amaral, comissário do Plano Nacional de Leitura, fez notar no lançamento da colecção, a 16 de Julho em Lisboa, são o facto de "transmitir aos jovens a importância da mitologia grega, cultura de que somos herdeiros, e de diluir as fronteiras entre o objecto livro e os novos suportes".

Sugerir correcção