Carlos Lopes: A medalha que começou com um atropelamento

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Carlos Lopes, vencedor da maratona nos Jogos de 1984 DR

Domingo, 12 de Agosto de 1984, Los Angeles, Califórnia. Pouco passava das sete da tarde, hora local (três da manhã do dia seguinte em Lisboa), quando Carlos Lopes, com o dorsal 723, entrou no Coliseu de L.A. Lopes fez a volta e meia que lhe faltava num sprint solitário e sagrou-se, aos 37 anos, campeão olímpico da maratona, a primeira vez que um atleta português conquistava uma medalha de ouro nos Jogos. Quinze dias antes, estava tudo em causa. Durante um treino, Lopes fora atropelado. O sonho olímpico podia ter acabado logo ali.

"Julguei que ia bater com a cabeça no asfalto. Por instinto defendi-me e acabei por cair sobre a omoplata esquerda. Nem sei como a cabeça não bateu em nada... Levei algum tempo a levantar-me. Tinha medo, pensava que já não ia a Los Angeles", recordou mais tarde, em entrevista ao jornal A Bola, o atleta português. O carro que o tinha atropelado era um Mercedes e o condutor era um comandante da TAP, Lobato Faria. Quem assistiu à cena quis bater no comandante e foi Carlos Lopes quem o defendeu. Naquela manhã, foi directo para o Hospital de Santa Maria, onde fez vários exames. O procedimento repetiu-se numa clínica, já com a supervisão de um médico do Sporting, e os resultados foram conclusivos: estava tudo bem.

Teria sido um golpe duro para Lopes, atleta de currículo ímpar no atletismo português, da pista ao corta-mato, a quem a glória olímpica (leia-se, a medalha de ouro) tinha falhado por poucos segundos em Montreal 1976 por culpa de Lasse Viren nos 10.000m - e o finlandês nunca se livrou da fama de doping sanguíneo. Lopes falhara os Jogos de Moscovo 1980 por causa do boicote e Los Angeles seria a sua última oportunidade. Naquela manhã de muito calor, Lopes era um dos favoritos, não "o" favorito. Falava-se em Rob de Castella, o australiano, em Alberto Salazar, o cubano naturalizado norte-americano, em Toshihiko Seko, o japonês.

Lopes estava em Los Angeles com o estatuto de campeão mundial de corta-mato e como corredor de topo em pista. Mas não era um maratonista experiente. Antes de Los Angeles, tinha corrido três vezes a prova de 42,195km, tendo terminado uma delas. Mas era o suficiente para ter o apoio da Nike, que o instalou num hotel em Santa Mónica (onde também ficou Rosa Mota, que conquistou a medalha de bronze na prova feminina) e o "afastou" da Aldeia Olímpica, nas instalações da UCLA.

Segundo recorda Lopes, todos os principais adversários andavam nervosos e cheios de queixas e, neste cenário, o português não podia dar parte de forte. "Quando eles falavam comigo e se queixavam, eu respondia logo: eu também, eu também, dói-me tudo. Era tanga, não sabia se da parte deles também era." Na estrada, viu-se quem estava, de facto, bem. Salazar, Seko e De Castella foram ficando para trás, até restar um trio na frente composto por Lopes, pelo irlandês John Treacy e o britânico Charles Spedding.

Aos 38km, Lopes deixa para trás os adversários mais directos e corre sozinho em ritmo alto até ao Coliseu, naquela que seria a última prova dos Jogos de Los Angeles. Assim que cortou a meta, continuou a dar voltas à pista, enquanto os outros desfaleciam à chegada, esgotados pelo esforço e pelo calor. O seu tempo, 2h09m21s, foi recorde olímpico até Pequim 2008, batido quase por três minutos por Samuel Wanjiru. "Vim preparado para perder e para vencer", disse, na altura, o atleta português. "[No acidente] magoei-me na perna e no braço esquerdos. Mas também parti o vidro do carro."

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