Ditadores argentinos condenados por roubarem bebés aos presos políticos

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"Devolvam as crianças", diziam os cartazes que a assistência levou para o tribunalVidela e Bignone em tribunal JUAN MABROMATA/AFP

Quinze anos depois da denúncia das Avós da Praça de Maio, o tribunal confirmou a existência de uma "política sistemática e generalizada de subtracção, retenção e ocultação" de menores

Às penas que já cumpriam pelas atrocidades cometidas durante o regime militar que governou a Argentina entre 1976 e 1983, o ex-Presidente Jorge Videla e o seu sucessor Reynaldo Bignone viram acrescentados mais 50 anos e 15 anos, respectivamente, pela "prática sistemática e generalizada de subtracção, retenção e ocultação de menores de idade": mais de 400 crianças que, durante anos, nasceram na prisão e foram retiradas às mães, prisioneiras políticas do regime.

Com o veredicto anunciado ontem, o Tribunal Oral Federal de Buenos Aires pôs fim a um megaprocesso sobre um dos crimes mais silenciosos da ditadura, que mais feridas abriu na sociedade argentina e que demorou mais de 15 anos a ser julgado. O tribunal deu como provada a denúncia apresentada pelas Avós da Praça de Maio no final de 1996, estabelecendo que o rapto de crianças para serem educadas por "boas famílias" militares foi uma política oficial e deliberada - um capítulo do "plano geral de aniquilação lançado sobre parte da população com o argumento de combater a subversão", diz a sentença.

À porta do tribunal, centenas de pessoas que assistiam à transmissão em directo da sessão num ecrã gigante reagiram com aplausos, lágrimas, gritos e cânticos às palavras da presidente do colectivo, María del Carmen Roqueta.

Entre elas, Macarena Gelman, criada por um agente da polícia no Uruguai, classificava a decisão como "histórica, um sinal da justiça e do progresso da Argentina". Os seus pais foram detidos em 1976: a mãe, levada para uma prisão clandestina no Uruguai, está desaparecida desde então; o cadáver do pai foi encontrado num rio.

Os juízes ouviram mais de 200 depoimentos dando conta de histórias semelhantes. Jorge Videla, que contestou a autoridade do tribunal e assistiu, impassível, à leitura da sentença, recusou qualquer responsabilidade no alegado plano de apropriação de crianças e classificou os bebés roubados como "danos colaterais" da guerra da ditadura contra os dissidentes de esquerda que apelidou de terroristas. "O que é certo é que todas as parturientes aludidas pelo processo eram militantes activas da máquina do terror, e muitas delas utilizaram os seus filhos embrionários como escudos humanos no momento de operar como combatentes", declarou.

Os dois antigos generais e chefes do governo militar eram os nomes mais sonantes de uma lista de arguidos também ligados ao antigo regime. Um deles, Jorge Eduardo Acosta, conhecido pela alcunha de "El Tigre", dirigiu o centro clandestino de detenção e tortura de Buenos Aires, instalado na Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA), de onde normalmente só se saía para a morgue - supõe-se que mais de 5000 pessoas tenham passado por ali antes de "desaparecer". Foi condenado a 30 anos de prisão. Os seus funcionários Juan Antonio Azic, agente dos serviços secretos, e Jorge Magnacco, obstetra, receberam penas de 14 e 10 anos, respectivamente. Santiago Riveros, director do hospital militar Campo de Mayo, foi condenado a 20 anos de prisão e o vice-almirante Antonio Vañek a 40 anos.

Finalmente, Susana Inés Colombo, ex-mulher do poderoso capitão Victor Gallo, foi punida com uma pena de cinco anos. Os juízes consideraram que sabia que um rapaz que o marido trouxe para casa, abandonado no hospital militar de Campo de Mayo, era na realidade filho de desaparecidos. O menino, Francisco Madariaga, agora com 34 anos, foi um dos queixosos do processo: conseguiu encontrar o pai e recuperar a sua identidade há dois anos, através de testes genéticos.

Desde que as Avós da Praça de Maio começaram a investigar o desaparecimento dos seus filhos e o roubo dos seus netos, já foram "resgatadas" 105 crianças - dessas, só cinco ainda puderam conhecer os seus pais biológicos.

O general Jorge Rafael Videla é muitas vezes descrito como "o ditador mais cruel da América Latina" por causa dos 30 mil desaparecidos da violenta campanha de repressão dos seus opositores. Julgado e condenado por terrorismo de Estado em 1985, foi indultado cinco anos mais tarde. Em 2010, o perdão foi invalidado e foi condenado a prisão perpétua, tal como Reynaldo Bignone, o homem que assumiu o Governo depois do seu afastamento, em 1982, já no estertor do regime. Antes de dissolver a junta militar e convocar eleições, em Outubro de 1983, Bignone mandou destruir todos os arquivos relativos aos crimes da chamada "guerra suja" de Videla.

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