Madonna: muito melhor do que se esperava

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Madonna na actuação de Coimbra Paulo Pimenta

Quando já se pensava que tínhamos visto tudo de Madonna, ei-la com um espectáculo imponente, ao mesmo tempo sombrio e teatral, hedonista e catártico, sem receio de se colocar em causa, propondo novas roupagens para êxitos de sempre. Sim, a Rainha ainda é ela.

Não se esperava tanto. O último concerto de Madonna em Portugal (parque da Bela Vista, Lisboa, 2008) esteve longe de ser entusiasmante e o álbum deste ano da cantora (“MDNA”), que serve de pretexto para a presente digressão, também não é brilhante. Mas a verdade é que acabou por ser um excelente espectáculo, eficaz, vertiginoso ao nível de som e luz e com momentos surpreendentes, nomeadamente a primeira metade, sombria, gótica e muito teatral. 

Foi isso. Na primeira metade apresentou-se tormentosa e até algo assustadora e na segunda surgiu o seu lado mais festivo. Ao contrário de outras digressões da última década, não perdeu muito tempo com mensagens de carácter humanista ou político, nem existiram momentos de suposta provocação, como em Israel, onde surgiu uma suástica colada à líder da Frente Nacional francesa Marine Le Pen, ou na Turquia, quando expôs um seio. Nem sequer teve de fazer alarde que, aos 53 anos, continua em grande forma física. Não precisou. O espectáculo que foi mostrar a Coimbra passa ao lado disso tudo, não precisando de demonstrações forçadas de vigor ou erotismo. 

No final, ao nosso lado, depois de mais de uma hora e meia de espectáculo, alguém se mostrava surpreendido: “o quê? já acabou?”. É isso. Passa rápido o concerto de Madonna, num rodopio de plataformas que vão e vêm, de bailarinos que se cruzam, de imagens e jogos de luzes elegantes e de linhas de baixo imponentes que impõem o dinamismo rítmico e se incrustam no corpo. O estádio não encheu totalmente (as expectativas da organização apontavam para as 40 mil pessoas), mas a larga maioria dos que foram não se devem ter sentido defraudados, num concerto de massas de grande eficácia. 

O lado mais sombrio, e até sórdido, da acção concentrou-se na primeira metade. O arranque aconteceu com cantos gregorianos e rituais judaicos, com a voz de Madonna a entoar “oh! My god, oh! My god”, antes de se lançar na interpretação de “Girl gone wild”. 

De seguida veio “Revolver”, com ela, toda de preto, dominadora, de pistola em punho, descendo até ao estrado que rodeava a parcela de público próximo do palco central. A primeira meia-hora foi quase sempre assim, armas e assaltos, com coreografias dignas de um filme de acção série B. Em particular “Gang bang”, com Madonna num quarto de hotel, ripostando a um bando de terroristas com intenções de matar e violar, num misto de alusões religiosas, eróticas e muita violência.

Às vezes parecia mais uma ópera do que um concerto, com quartos teatrais a sucederem-se a grande velocidade, com canções como “Papa don’t preach” ou “Hung up” a serem entrecortadas para respeitarem a elaboração dos momentos cénicos. A música, essa, era quase sempre tribalista, massiva, dançante mas não dando azo a grandes movimentos corporais, de tal forma era opressiva e negra. 

Do ponto de vista da música, não se limitou a ser a reprodução dos discos. Longe disso. Em “I don’t give a A”, puxou da guitarra e colocou-se na ponta do cenário, em atitude de desafio, enquanto se viam imagens de um cemitério em fundo e, no final, surgia nos ecrãs a rapper Nicki Minaj a gritar que “só há uma rainha e é Madonna.” 

Um concerto dela é feito de vários actos e trocas de vestuário. O primeiro momento que cortou com o clima opressivo foi “Express yourself”, uma das coreografias mais festivas, com uma indirecta à rival Lady Gaga, através da introdução de um fragmento de “Born this way” e da proclamação “a rainha ainda sou eu!”, continuando com “Give me all your luvin’” com tambores e cheerleaders

Foi a fase em que a ditadura do ritmo se impôs. Mas, mais uma vez, de forma algo surpreendente, com o excesso de percussões a impor uma toada tribalista, urbana e enérgica, em canções como “Turn up the rádio”, “Open your heart” ou no mais calmo “Masterpiece”, com a participação dos Kalakan Trio, uma formação tradicional do País Basco francês. Na introdução a esta última, numa das poucas vezes em que interpelou o público, disse que era uma canção sobre como “acabar com os preconceitos, lutar por direitos e pela liberdade de expressão. Desafio-os a respeitarem-se uns aos outros quando saírem daqui. Dessa forma, se isso acontecer, não haverá mais guerras.”

Para contrabalançar o lado obscuro inicial impõe-se a última metade hedonista, com “Justify my love” ou “Vogue”, com roupas do designer de moda Jean-Paul Gaultier, numa homenagem à Nova Iorque da música house do início dos anos 90. Na voluptuosa “Human nature” ensaiou uma espécie de striptease mas, brincou, dizendo “hoje não, sinto-me introspectiva”, numa alusão ao facto de na presente digressão ter exposto partes do corpo na interpretação dessa canção.

Houve também lugar para outro quadro inusitado, uma versão intimista, com acompanhamento ao piano de “Like a virgin”. Foi um dos momentos mais celebrados pela multidão, mas também um dos mais simplistas, com um retoque dramático demasiado refinado, logo, pouco verosímil.  Nas costas, tatuado, podia ler-se: “no fear.”

“I’m addicted”, “I’m a sinner” ou “Like a prayer” – em que dançou e cantou com a bandeira portuguesa, acompanhada por milhares de gargantas – mantiveram a temperatura elevada, até à catarse final, com “Celebration”, com ela a gritar que queria ver toda a gente a dançar. Dito e feito, num bom espectáculo, misto de espiritualidade e carnalidade, vindo de alguém que continua a desafiar-se, não receando propor novas roupagens para os sucessos de sempre. Ainda bem.

Alinhamento:
"Girl Gone Wild" 
"Revolver" 
"Gang Bang" 
"Papa Don't Preach" 
"Hung Up" 
"I Don't Give A" 
"Express Yourself" 
"Gimme All Your Luvin'" 
"Turn Up the Radio" 
"Open Your Heart" 
"Masterpiece" 
"Vogue" 
"Candy Shop" 
"Human Nature" 
"Like a Virgin" 
"I'm Addicted" 
"I'm a Sinner" 
"Like a Prayer" 
"Celebration" 
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