A ditadura que Abril derrubou

Em poucas palavras poderíamos definir o que se passou no dia 25 de Abril de 1974 como "uma acção militar do Movimento das Forças Armadas, imediatamente secundada por um levantamento popular com o objectivo de derrubar a ditadura fascista que há 48 anos oprimia de forma violenta, terrorista, o povo português". Esta definição sintética e rigorosa do ponto de vista da verdade histórica tem sido ao longo dos anos contestada e cada vez mais contestada à medida que o tempo passa e o avanço das forças mais reaccionárias e conservadoras consolidou um novo sistema de poder, que determinou novas formas de leitura do processo histórico.

Para nós, que na dureza da luta clandestina forjámos a base organizada da revolta que culminou no 25 de Abril, esse foi o dia em que se conquistou a liberdade por que vínhamos lutando.

A juventude poderá perguntar: que ditadura foi essa que a Revolução de Abril derrubou? A natureza da ditadura fascista pode ser explicada pelos três pilares em que assentou: em 28 de Maio de 1926 um golpe militar, apoiado pelas forças mais reaccionárias, instaurou um Governo Provisório cuja primeira medida foi estabelecer a Censura à imprensa. A Censura cortava notícias de jornais, impedia peças de teatro, proibia a publicação de livros: estava criado o primeiro pilar da ditadura.

Em 1927 foi instituída uma polícia política em Lisboa e a seguir no Porto, centralizadas em 1931. Quando Salazar se tornou chefe do governo, em 1932, passou a despachar semanalmente com esta polícia - a PIDE. Com sedes espalhadas por todo o país, servindo-se de uma rede de informadores e bufos que eram os seus olhos e ouvidos, a PIDE podia prender, torturar e matar impunemente, mas tinha ainda uma outra arma mais discreta e não menos eficaz: tirar o pão ao adversário. Ela foi o segundo pilar da ditadura.

Logo a seguir ao golpe militar começou uma grande depuração no Exército e na Marinha, com centenas de prisões e deportações. A partir daí as Forças Armadas tornaram-se o terceiro pilar de suporte do Estado fascista.

Em 1927 as sedes da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e do Partido Comunista Português foram assaltadas e encerradas. Centenas de dirigentes operários foram presos e torturados. Depois de ilegalizados os partidos políticos, em 1930 foi criado o partido fascista - União Nacional. Em 1933, promulgada a Constituição fascista copiada de Mussolini, liquidadas as liberdades sindicais, encerradas as cooperativas camponesas e as Mútuas dos pescadores, ficou claro o conteúdo de classe e terrorista da ditadura.

O Partido Comunista Português, criado em 1921, não aceitou capitular nem abandonar a luta e decidiu seguir o duro caminho da clandestinidade para lutar pelos direitos dos oprimidos e pela liberdade. Único partido político organizado que fez frente à ditadura fascista ao longo dos 48 anos da sua existência, tornou-se o principal componente da Oposição, em que participaram outras forças políticas. Lutando corajosamente na clandestinidade, os militantes do PCP foram o principal alvo da repressão fascista, constituíram a esmagadora maioria dos presos políticos, torturados e assassinados, e foram o motor das lutas de massas económicas e políticas e da unidade antifascista.

Não admira, pois, que sejamos nós os mais convictos defensores das liberdades democráticas e das conquistas alcançadas com o 25 de Abril.

Ex-deputada do PCP. A 25 de Abril de 1974 era membro do Comité Central do partido e estava na clandestinidade

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