Torne-se perito

A crise não assusta as mulheres francesas que querem ter filhos

No contexto europeu, a França é um caso de sucesso. Ao longo das últimas décadas, conseguiu elevar a taxa de fecundidade até uma média de duas crianças por mulher em idade fértil. O cenário nem sempre foi tão risonho. Lá como cá, o declínio da natalidade chegou a ser encarado como algo que fazia temer pelo "desaparecimento" do país. Ao ponto de, em 1920, os abortos, assim como a venda e o uso de contraceptivos, terem sido tornados ilegais.

Uma das diferenças é que, entre os franceses, o problema ocorreu muito mais cedo. E, mais do que isso, foi atacado com uma política pró-natalista que se manteve constante. Um trabalho de décadas graças ao qual o número médio de filhos por mulher em idade fértil subiu dos 1,8 em 1984 para os referidos dois em 2010.

Nesse ano, nasceram 802.224 bebés em França, contra os 793.420 do ano anterior (em 2001 tinham sido 770.945). Em plena crise económica e social, este aumento tem suscitado estupefacção. Num artigo publicado em Março de 2011, Gilles Pison, investigador do Institut National d"Études Démographiques, interrogava-se mesmo se a fecundidade seria insensível à crise e admitia como válidos os argumentos dos que viam no desemprego crescente um factor de aumento da fecundidade: "As mulheres sem emprego têm aproveitado a sua disponibilidade para ter mais crianças", admitia.

A comparação com Portugal não podia ser mais contrastante. Enquanto as portuguesas têm cada vez menos filhos, as francesas têm cada vez mais filhos. E como é que a França, mantendo como Portugal uma elevada taxa de empregabilidade feminina, se tornou "um caso especial" na Europa? Desde logo por via de uma fortíssima aposta numa rede pública de creches e jardins-de-infância de baixo custo, a par de apoios ao nível do prolongamento escolar e de amas para as crianças com menos de dois anos. Entre 1972 e 2007, o número de lugares disponíveis na rede pública subiu de 40.500 para os 332 mil. Entre 2000 e 2005, a despesa pública francesa relacionada com a rede pública de apoio à infância aumentou 99%: de 920 milhões de euros para 1,8 mil milhões.

Subsídios aos pais

Em 2004, e ao abrigo do chamado Crédit d"Impôt Famille, as empresas francesas passaram a receber incentivos para se tornarem "amigas das famílias". A criação de uma creche para os filhos dos funcionários, por exemplo, passou a dar direito a que 25% das despesas associadas fossem dedutíveis nos impostos até um tecto de 500 mil euros/ano.

Ao nível da conciliação entre a vida familiar e a profissional, desde 2002 que os pais são obrigados a gozar duas semanas de licença a seguir ao parto. No caso das mães, a licença pós-parto é de 16 semanas pagas a 100% até um tecto de 2946 euros por mês no sector privado (no público não existe tecto). Tratando-se de um terceiro filho, a licença é alargada até às 24 semanas.

O prolongamento das licenças até que a criança perfaça três anos é considerado um direito. Consoante a dimensão da família, a escolha pode recair entre um de dois sistemas. Por um lado, o complément de libre choix d"activité prevê a atribuição de um subsídio mensal fixo (em 2011 era de 560 euros) até que a criança perfaça três anos. No caso do primeiro filho, o subsídio é pago apenas nos seis meses seguintes à licença pós-parto. Se se tratar de famílias com mais de três filhos, e mais uma vez se um dos membros do casal optar por deixar de trabalhar, a escolha pode recair sobre o complément optionnel de libré choix d"activité, ao abrigo do qual o Estado paga durante um ano um subsídio fixo que, em 2011, era de 801 euros.

Para a investigadora francesa Jeanne Fagnani, mais do que nos subsídios, que por si só não fomentam grandemente a natalidade, as políticas públicas devem centrar-se nas respostas ao nível da guarda das crianças e da conciliação da maternidade com o trabalho. No caso francês, terá sido isso que fez com que o problema da fecundidade já não precise de estar na agenda política. N.F.

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