A educação, o país, o futuro

Tribuna A crise e o ensino

Nos seus 35 anos de democracia, Portugal venceu o desafio da democratização do acesso à educação e aproximou-se dos níveis de qualificação europeus. Ainda que muitas das promessas da escola pública tenham sido apenas parcialmente cumpridas e que o acréscimo das qualificações não tenha sempre vindo acompanhado de maior justiça social e de crescimento, a verdade é que a educação está no centro do aprofundamento da democracia e da possibilidade do desenvolvimento.

As perspectivas com que se confronta hoje o campo educativo são, contudo, desoladoras. A situação das finanças públicas reclama um conhecimento e avaliação exigentes de todos os compromissos públicos, identificando despesa desnecessária, supérflua e geradora de injustiças sociais e distinguindo-a da que é indispensável, que colmata problemas sociais graves e qualifica o país. Por isso mesmo, a fragilização da educação não pode ser o objectivo de uma política que enfrente as dificuldades e o défice económico e social do país. A escola pública de qualidade e a promoção da investigação científica são uma parte fundamental da solução e não uma parte do problema.

O corte de 864 milhões de euros em 2012 na educação e ciência atira Portugal para a retaguarda da União Europeia em matéria de investimento no ensino. Em 2010, as despesas do Estado com a educação representavam 5% do PIB; passarão agora a apenas 3,8%. Na UE, a média é de 5,5% e na Eslováquia, que estava no final do tabela, rondava os 4%.

Esta escolha terá um efeito devastador nas escolas, e, portanto, sobre as crianças e os jovens que construirão o futuro do país. Se esta política for avante, as escolas e as universidades perderão milhares de professores necessários, muitos recursos fundamentais e assistiremos inevitavelmente à degradação das condições de aprendizagem, com o aumento do número de alunos por turma e o término de algumas experiências fundamentais de combate ao insucesso escolar. A situação das finanças públicas não pode, portanto, servir de argumento para deteriorar a vida nas escolas, precarizar as relações de trabalho e hipotecar o futuro da educação.

Os défices da escola pública não se resolvem, tampouco, com a dualização do sistema educativo nem com a estratificação das vias escolares, abandonando o mandato democrático que estabelece que a escola deve garantir a igualdade, em lugar de promover a desigualdade como programa de política educativa.

O discurso segundo o qual estamos perante um abaixamento generalizado das competências e que isso exige como resposta que a escola volte "aos conhecimentos básicos" não se fundamenta em nenhum diagnóstico comprovado nem na apresentação de qualquer dado objectivo. Sem base na realidade, o seu efeito é, pelo contrário, expurgar tudo o que na educação escolar possa ter uma relação com a vida quotidiana, com o mundo da vida dos jovens, com as capacidades, competências e conhecimentos ligados à cidadania, à promoção do pensamento crítico, da participação ou da curiosidade científica.

No Ensino Superior há uma séria limitação da actividade das instituições, rompendo-se metas estabelecidas e compromissos assumidos e agravando-se as condições de desigualdade no acesso e na frequência, seja através da pressão para o encarecimento da formação como forma de recolher receitas próprias, seja na diminuição das verbas disponíveis para a acção social escolar, seja na incapacidade de entender as qualificações produzidas como o principal recurso para um outro modelo económico. A limitação do investimento na investigação anuncia a prazo o fim das redes de produção de conhecimento científico que constituem um dos mais preciosos recursos que o país criou nas últimas décadas. Desperdiçar esse investimento e qualificação é eliminar uma das melhores possibilidades de reconstrução promissora do futuro do país.

O nosso país confronta-se hoje com um cenário em que se propõe à escola pública e ao ensino superior que recue décadas, quer na definição do seu papel, quer nas suas formas de organização, quer nas modalidades pedagógicas a que recorre. Pelo contrário, precisamos, em particular em contexto de crise, de um sistema educativo que seja mais democrático, mais respeitador da diversidade e mais promotor da igualdade.

A afirmação do conhecimento, da cultura e da cidadania obriga-nos, enquanto agentes da educação e da ciência, a utilizar todas as nossas energias contra o esvaziamento do papel do Estado na educação, o desmantelamento de políticas de combate às desigualdades escolares e contra uma reeestruturação curricular cujo sentido seja a recuperação de uma escola conservadora contra a complexidade e a abertura que a sociedade de hoje exige.

Ana Benavente (investigadora, ex-secret. Estado Educação,); Ana Cláudia Pimenta (Ass. Acad. Univ. Évora); Ana Costa (investig. ISCTE-IUL);