O ex-guerrilheiro sandinista quer manter a Nicarágua sob controlo

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O Governo recusou a presença de observadores internacionais nas eleições de hojeDe acordo com a lei, Daniel Ortega não devia poder recandidatar-se AFP/ELMER MARTINEZ

A candidatura é polémica, mas a vitória de Daniel Ortega nas eleições presidenciais de hoje será tranquila, com a oposição dividida

O antigo herói revolucionário e histórico líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional, Daniel Ortega, é o grande favorito à vitória nas eleições presidenciais de hoje na Nicarágua. Prevê-se que consiga renovar o seu mandato presidencial logo à primeira volta, apesar da controvérsia levantada pela sua recandidatura.

Ortega lidera as sondagens com 48% das intenções de voto, segundo uma sondagem CID Gallup. Com 30%, em segundo lugar, está o seu principal rival político, o empresário e apresentador de rádio Fabio Gadea, indicado pelo Partido Liberal Independente, que reúne movimentos de direita e sandinistas dissidentes. O ex-Presidente Arnoldo Alemán, do Partido Liberal Constitucionalista, aparece com 11% e promete não reconhecer a vitória de Ortega, alegando que a sua candidatura é ilegal.

Os números não oferecem dúvidas quanto à aceitação e popularidade de Ortega. Já a legitimidade da sua candidatura suscita as maiores reservas, com a oposição a acusar o Presidente de ter manipulado o sistema e abusado do seu poder, pressionando os tribunais para ignorarem os constrangimentos constitucionais que colocam um limite de dois mandatos (não consecutivos) para o exercício do cargo.

Daniel Ortega ascendeu ao poder quando a sua guerrilha sandinista derrubou o regime de Anastazio Somoza e liderou o país entre 1984 e 1990. Foi substituído por Violeta Chamorro naquelas que foram as primeiras eleições livres da Nicarágua.

Mas regressou à presidência em 2006, vencendo as eleições por uma curta margem, apesar do favoritismo que exibia nas sondagens.

Teoricamente, agora estaria impedido de voltar a concorrer, mas o Supremo Conselho Eleitoral, controlado por Ortega, determinou que a sua exclusão das presidenciais violava o direito à igualdade de tratamento entre candidatos e até a declaração universal dos direitos humanos - uma decisão tomada em 2009, durante um fim-de-semana e fortemente contestada pela oposição ao Governo da Frente Sandinista, que não aceita que o sistema judicial e a comissão eleitoral estejam sujeitos ao poder executivo.

Uma ajuda venezuelana

O forte apoio popular a Ortega explica-se pelo crescimento económico da Nicarágua, largamente patrocinado pela Venezuela, através de acordos de cooperação assinados com Hugo Chavez. É uma aliança que rende a Manágua 500 milhões de dólares por ano em empréstimos a longo prazo, um dinheiro que Ortega tem vindo a redistribuir através de subsídios e programas como o Fome Zero, o Plano Tecto ou o Bónus Produtivo. E que possibilita o avanço de um vasto plano de infra-estruturas, com ênfase especial na construção de estradas e escolas.

Ao contrário do seu primeiro Governo, cuja política económica se destacou pela inflação galopante (que chegou aos 30.000%), nos últimos anos Ortega incentivou uma economia de mercado. Isto valeu-lhe a colaboração dos empresários e industriais nicaraguenses, que viram as exportações duplicar em menos de cinco anos. Outras medidas que impulsionaram a economia: o estabelecimento de uma zona de comércio livre, a revisão do sistema regulatório e a concessão de benefícios fiscais para o investimento estrangeiro (que quintuplicou).

A Nicarágua continua, porém, a ser um dos países mais pobres das Américas. Mas para os mais desfavorecidos da população, e mesmo para a incipiente classe média, os benefícios do desenvolvimento económico são evidentes. E são razão mais do que suficiente para renovar a confiança em Ortega, apesar das acusações de fraude eleitoral e autoritarismo.

A contribuir para o seu favoritismo nas sondagens também está a incapacidade da oposição, fragmentada em vários partidos e sem líderes fortes. E, mais significativamente, o facto de já ninguém se preocupar com a "ameaça vermelha" e ter medo dos sandinistas, como confessava Arnoldo Alemán, um homem que teve como refrão do hino de campanha o verso "Os sandinistas são comunistas e inimigos da humanidade".

Na campanha, Ortega contou até com o apoio da Igreja Católica. Na missa do dia de Todos os Santos, o cardeal Miguel Obando - que também preside à Comissão de Reconciliação, Paz e Justiça - elogiou os programas sociais do Governo. "Dentro em breve estaremos a eleger as autoridades que regerão o destino do país nos próximos cinco anos e devemos ter especial cuidado para seleccionar aqueles que, com as suas obras, demonstrem ser solidários com o próximo, sobretudo com os que têm menos recursos", defendeu.

No entanto, o Governo de Ortega não está livre da crítica de notáveis detractores. Antigos sandinistas denunciam regularmente a alegada traição dos ideais socialistas pelo Governo de Ortega, que partilha todas as decisões políticas com a sua mulher e directora de campanha Rosário Murillo, conhecida como a "primeira-ministra". Ou os grupos de defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres, que acusam o Governo de obstrução, intolerância e intimidação, sob a forma de investigações arbitrárias, campanhas na imprensa (estatizada) ou censura.

A alegada deriva antidemocrática do Governo sandinista levou ao corte e até suspensão da ajuda de países doadores - as fraudes verificadas nas eleições locais de 2008 custaram à Nicarágua mais de 100 milhões de dólares de apoios perdidos. A recusa da presença de observadores internacionais para acompanhar as eleições de hoje, ou a contagem dos votos à porta fechada em locais protegidos pelos militares, poderá custar ainda mais.

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