Um pedido simples

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Já é escandalosa esta mania europeia de organizar cimeiras, minicimeiras e encontros cujas propostas supostamente revolucionárias são trauteadas pela imprensa durante um breve período - cada vez mais breve - até inevitavelmente se descobrir que as propostas não são novas, não são para levar a sério, ou pura e simplesmente não existem. Às vezes a ilusão ainda demora uns dias - o suficiente para decifrar o eurojargão dos documentos então emitidos - outras vezes não aguenta um par de horas.

Triste é ver que a imprensa portuguesa cai quase sempre neste truque. Na semana passada, Sarkozy e Merkel encontraram-se (de novo) e (de novo) lemos o anúncio bombástico de um "governo económico europeu" que os jornais portugueses trouxeram para os títulos dos seus artigos. Procurando na imprensa mais circunspecta, víamos que afinal era apenas uma "governança da zona euro", a mesma de que já se fala há um ano, por insistência do Presidente francês. E olhando para a proposta concreta, que é de fazer duas reuniões por ano dos chefes de governo da zona euro, dirigidas pelo Sr. van Rompuy, percebemos que não estamos perante governo nem governança mas apenas um insulto mal-amanhado à gravidade da situação, à inteligência dos europeus e às regras da democracia.

(Sobre o último aspecto, note-se que a crise já chegou à Espanha e Itália, cujas economias e populações, juntas, são maiores do que as da Alemanha. Quando é que alguém vai dar um murro na mesa e dizer ao par Merkel-Sarkozy que, além de incompetente, o seu método dualista de decisão é antidemocrático?)

De cada vez que isto acontece vai mais um prego martelado no caixão do euro, e quem sabe se da União. De cada vez que isto acontece o poder político perde credibilidade que seria preciosa na resolução da crise. De cada vez que não damos um passo em frente, é grave. Mas de cada vez que o suposto "passo em frente" é apenas uma tentativa enganar o público, é gravíssimo. É na verdade, um passo atrás. E foi assim que a crise do euro se tornou galopante.

Há um ano e pouco, a crise do euro era o equivalente a uma mera infeção no calcanhar (de Aquiles, pelos vistos). Com os antibióticos adequados, a cura era barata e relativamente fácil. Em vez de antibióticos, dissemos ao paciente para fazer exercício. A infeção ficou feia e alastrou. Daqui a pouco a perna vai gangrenar e teremos de amputar (ou seja: dizer a alguns países para saírem do euro). Mas nessa altura a nossa infeção de há um ano pode já ser uma septicemia. Se a crise do euro atingir alguns órgãos vitais (a Espanha, a Itália, a França) o que seria apenas irresponsável virou fatal.

Aquilo que eu quero dizer com esta metáfora arrevesada é que, com a evolução da doença, os remédios que poderiam resultar numa fase inicial, ou mesmo intermédia, podem ser ineficazes num futuro próximo.

Mesmo para a mutualização da dívida europeia - que permitiria neutralizar a crise das dívidas soberanas - é essencial que a futura emissão de eurobonds (que tenho defendido aqui desde o início da crise) seja absolutamente credível e que tenha notação máxima. Se daqui a uns tempos a notação francesa for rebaixada, até isso pode estar em risco.

O mundo de hoje já não é o de há umas semanas. No mundo de hoje nem os EUA têm um rating máximo unânime, provando que a incapacidade do poder político é uma variável crucial na equação económica. E neste mundo, a União Europeia está perdida com as lideranças que tem. Deputado independente ao Parlamento Europeu (http://twitter.com/ruitavares): a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

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