Uma revolução de iniciativa presidencial

Com os deputados ausentes, o 25 de Abril comemora-se no Palácio de Belém e, manda a crise, com custos "mínimos"

Só agora se conhecem todos os contornos do que levou a que, este ano, o 25 de Abril não se comemorasse, como é hábito, em São Bento. O que não impede que os deputados não continuem a sê-lo, a receber como tal e a fazer a sua vida, em reuniões ou viagens de representação parlamentar - e, como o PÚBLICO hoje mostra, há várias em curso, umas justificáveis outras dispensáveis. O certo é que foi proposta ao plenário uma solução alternativa, na Sala do Senado, mas o interesse foi quase nulo. Só o PCP se comprometia a comparecer em peso. E foi isso que levou Jaime Gama, em lugar de insistir e pôr os restantes grupos parlamentares a prometer o mesmo, a baixar os braços e a suspender a celebração. É, como já aqui se escreveu, um erro. A Assembleia da República deve o seu regresso à democracia e ao multipartidarismo, ao acto que agora ignorou. Por ironia, coube ao Presidente da República, Cavaco Silva, organizar a comemoração "alternativa", chamando a participar nela não apenas os seus três antecessores eleitos (Mário Soares, Jorge Sampaio e Ramalho Eanes), mas várias personalidades e, claro, representantes dos grupos parlamentares. A Assembleia, abdicando de qualquer papel activo nestas comemorações, deu origem às primeiras comemorações da "revolução" de iniciativa presidencial de que há memória. Os presidentes falam, os partidos (sintomaticamente) calam. Com a troika ainda por cá, a contas com as vergonhas da dívida, este é sem dúvida um retrato exemplar do Portugal que vamos tendo. A juntar às imagens da pobreza pública que as agência de fotografias trataram de reunir para mostrar ao que chegámos, temos agora o silêncio dos representantes do povo, ironicamente num dia em que nenhum deles devia estar calado.

A Tunísia, precursora do "Abril" árabe

Há um curioso paralelo entre Portugal e a Tunísia, ainda mais evidente neste novo (o 37.º) aniversário do movimento que ficou para a história como a Revolução dos Cravos. E esse paralelo, como escreve Teresa de Sousa nesta edição (págs. 12/13), é o facto de Portugal ter iniciado, precisamente com o 25 de Abril, a terceira vaga de democratização que varreu o mundo, e a Tunísia ter protagonizado a quarta, que ninguém previa que acontecesse onde aconteceu, no mundo árabe. E é essa mesma Tunísia que, depois do êxito da revolta, se prepara agora para os desafios da livre escolha, que há-de fazer-se por eleições livres. Um bom sinal, testemunhado por Álvaro de Vasconcelos, é que o debate democrático na Tunísia será hoje mais avançado do que era em Portugal de 1974. Não há certezas, ainda, mas há o entendimento dos interesses dos vários grupos e há a ideia, mais ou menos generalizada, de que no centro das exigências, há uma inegociável: a liberdade. De resto, como recorda João Carlos Espada (pág. 29), "as democracias nunca prometeram o paraíso" porque "não são acerca de resultados. São acerca de regras de conduta, de procedimentos." E é delas que não se pode abdicar.

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