Socialistas não levam a PEC a votos mas poderá ser o CDS a agendá-lo

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Passos em Belém: PEC IV é um pedido de ajuda externa camuflado Rui GaudÊncio

Sócrates fala em pedir consensos, após Passos Coelho ter garantido a Cavaco que o PSD permanecerá "firme". Barroso disse ainda acreditar numa solução

No dia em que José Sócrates disse que não quer provocar uma crise política e Passos Coelho foi a Belém dizer que o PSD não cederá, o foco da crise transitou para o Parlamento, onde o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) apresentado pelo Governo poderá ser votado antes da cimeira europeia dos dias 24 e 25.

À entrada para uma reunião com a bancada socialista, o primeiro-ministro garantiu que não irá "contribuir" para que a decisão da Assembleia da República sobre o PEC IV desencadeie uma crise política. Ou seja, o PS não irá apresentar qualquer projecto de resolução sobre aquele plano. Uma decisão que Sócrates anunciou ontem aos deputados do PS, e que contraria a intenção de muitos socialistas, que defenderam a iniciativa. O CDS-PP, no entanto, poderá agendá-la para quarta-feira, libertando o PS do ónus de tomar esta iniciativa.

O projecto de resolução do Parlamento é um recomendação ao Governo que não é vinculativa, mas tem um peso político relevante. Sócrates já disse que, no caso de uma recomendação sobre o PEC ser chumbada, o país terá de ir a votos.

Compromisso político

Sócrates reafirmou que o PEC IV será entregue na próxima semana no Parlamento "para permitir que a Assembleia discuta" o documento antes da cimeira europeia dos dias 24 e 25. "Não faremos nada que tenda a provocar uma crise política. Vamos permitir que a Assembleia discuta", disse, acrescentando que "gostaria de chegar" à cimeira com um "compromisso" político-partidário.

Mas o secretário-geral do PS sabe que o PEC não irá escapar à votação parlamentar, uma vez que o PCP, o BE e o CDS pretendem apresentar projectos de resolução. Ao que o PÚBLICO apurou, o CDS pediu um agendamento potestativo (sem tema) para a próxima quarta-feira, e poderá levar o PEC a votos nesse âmbito. Os populares deram conhecimento prévio desta decisão ao PSD.

Nos últimos dias, os centristas têm estado muito discretos. Mas Paulo Portas já deu um passo em frente e na sua moção ao congresso (que começa hoje em Viseu) propõe "a um novo Governo" a renegociação do PEC.

Apesar de muitos socialistas acreditarem que o PSD não irá inflectir na decisão de recusar o diálogo com o Governo - o discurso de Cavaco Silva, dizem, sustentou a possibilidade de "o PSD rematar à baliza da crise" -, Sócrates insistiu na disponibilidade para "negociar" todas as medidas. E aproveitou de novo para acenar com o fantasma do Fundo Monetário Internacional (FMI): "Uma crise tem consequências muito negativas. Enfraquece a posição de Portugal e significa a entrada do FMI", disse.

E os deputados ouviram um Sócrates em tom de pré-campanha. "Eu sei que todas as carreiras políticas acabam com uma derrota. Cá estarei, se ela chegar", disse. E acrescentou: "Não tenho esperança em ser popular, mas lutarei para sair vencedor".

Passos não cede

Mas Passos Coelho, líder do PSD, parece estar apostado em não recuar. Foi com uma posição "firme e irredutível" que se apresentou ontem de manhã em Belém, perante o Presidente da República. No final, classificou todo o processo de divulgação do PEC IV como "um pedido de ajuda externa" feito às escondidas. E disse a Cavaco "que o PSD não está disponível para ajudar o Governo a descalçar uma bota que ele próprio calçou quando se comprometeu externamente com um quadro de medidas adicionais que sempre disse que não eram necessárias".

O líder do PSD desafiou o executivo para que possa "rapidamente mostrar que sabe arrepiar caminho em medidas que penalizam aqueles que são desprotegidos", nomeadamente os pensionistas. Na bancada "laranja", esta declaração foi interpretada como uma "nuance" no discurso do líder. Deputados do PSD vislumbraram ali uma abertura, ainda que tímida, para um eventual diálogo com o Governo. Não admira, por isso, que o vice-presidente da bancada, Luís Montenegro, tenha considerado, durante a tarde, no plenário, que era "obsceno" o Governo "vangloriar-se triunfalmente da execução orçamental ao mesmo tempo que quer congelar pensões".

Francisco Assis, líder parlamentar do PS, esteve atento à intervenção de Montenegro. E, numa conferência de imprensa marcada quase em cima da hora, admitiu que o congelamento das pensões "é uma das áreas que devem ser discutidas". E, pela terceira vez ao longo do dia, exortou o PSD a apresentar medidas alternativas e sugestões.

Também Pedro Silva Pereira, ministro da Presidência, aproveitou o encontro com os jornalistas no final da reunião do Conselho de Ministros para pedir um "consenso político" . E sublinhou que, apesar de o PEC entrar na próxima semana no Parlamento para apreciação, o documento só precisa de ficar concluído em Abril. "Em bom rigor, só o temos de entregar em Bruxelas durante o mês de Abril", afirmou, citado pela Lusa.

Barroso atento

Durante a tarde, tinha chegado de Bruxelas um apelo ao diálogo. Durão Barroso saiu do silêncio a que se remeteu nos últimos dias sobre os riscos de uma crise política em Portugal ao expressar a esperança de que a "democracia portuguesa encontrará as melhores soluções". De acordo com o que o PÚBLICO apurou, o presidente da Comissão "ainda não desistiu de acreditar que poderá haver uma saída para o bloqueio" entre o Governo e o PSD capaz de permitir a aplicação das novas medidas de austeridade. Apesar da formalidade a que tem de se remeter, Barroso está preocupado com o bloqueio da situação em Portugal.

Na reunião da bancada do PSD, de manhã, Manuela Ferreira Leite fizera-se ouvir num tom bem diferente. A ex-líder do partido e antiga ministra de Cavaco Silva (e de Barroso) defendeu a demissão de Sócrates e do ministro das Finanças, classificando Teixeira dos Santos como "incompetente", segundo relatos feitos ao PÚBLICO. À saída da reunião, a social-democrata não quis falar aos jornalistas.

Como seria de esperar, o PEC dominou a reunião e muitos deputados defenderam a posição da actual liderança do partido, que não votará a favor das medidas. Vários deputados "laranja" defendem que o PEC IV é uma armadilha e que foi motivado pela intenção de Sócrates provocar eleições e responsabilizar o PSD pela crise política. Também vários socialistas ouvidos pelo PÚBLICO defendem que todo este processo foi espoletado para averiguar a resistência de Passos Coelho a pressões internas e externas, tendo-se decidido correr o risco de provocar eleições antecipadas e de se assistir a um duelo eleitoral entre Sócrates e Passos. com S.R., N.S., L.M.G. e I.A.C.

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