Conduzir sem precisar do Multibanco

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José Rapagão (à esquerda) e Canova Xavier (à direita) com os seus carros Miguel Manso

A era dos automóveis eléctricos já começou e, em Portugal, com o aliciante da corrida entre duas marcas japonesas pela primazia no mercado. A Nissan associou-se ao Estado, mas foi a Mitsubishi a primeira a entregar viaturas a privados. Passadas três semanas, os novos proprietários do i-MiEV já nem se lembram dos euros que gastavam em combustível

Estes dois homens são muito diferentes. Na sua maneira de ser: um é extrovertido e corrosivo, o outro discreto e politicamente correcto. No perfil de utilizador: um conduz na cidade, o outro enfrenta percursos suburbanos. Na sua relação com a marca: um senta-se ao volante do seu primeiro Mitsubishi, o outro mantém-se fiel ao emblema dos três diamantes. Mas, apesar do mundo de diferenças, há um pormenor em que estão sintonizados: ambos já se habituaram a andar de carro sem pensarem onde deixaram o Multibanco.

Canova Xavier, médico, foi o primeiro cliente particular a adquirir um carro eléctrico em Portugal. José Rapagão, comerciante, foi o segundo. Três semanas depois, a marca promoveu um encontro com os jornalistas onde ambos apareceram sorridentes e com uma história semelhante: acabaram-se as idas à estação de serviço e as preocupações com o preço do petróleo.

É que a poupança em combustível pode atingir as centenas de euros mensais. "Costumava gastar à volta de 600 euros em diesel todos os meses. Agora, desde que comprei este carro, nem me lembro disso", explica José Rapagão, 62 anos, que mora em Lisboa e todos os dias cumpre o trajecto de ida e volta até ao Carregado, onde se situa a sua loja. Todas as noites carrega a bateria do i-MiEV e nunca teve problemas de autonomia.

"Ando mais ou menos 150 quilómetros por dia,sempre com este carro. Tenho o cuidado de andar devagar, para não estragar a média, mas, se o deixarmos, ele vai aos 130 km/h com facilidade. Para evitar exageros, não sigo pela auto-estrada [a A1], vou pela estrada nacional." Uma breve interrupção para consultar o painel de bordo e José Rapagão anuncia que já fez 1433 quilómetros.

Como a conta da electricidade ainda não lhe chegou, o custo, por enquanto, está em zero. Quando chegar, também não há-de assustar - a estimativa da Mitsubishi é que carregar a bateria em horário nocturno e com tarifa bi-horária custe à volta de 1,5 euros mais IVA.

O i-MiEV é um pequeno citadino de quatro lugares, com 339,5cm de comprimento, 1080kg de peso e um motor eléctrico que debita 63 cv de potência. A bateria carrega-se completamente em seis horas, quando ligada a uma tomada normal de 220V e 15A, ou em apenas 30 minutos no modo rápido, que requer uma tomada trifásica de 50kW/200V - e são estas últimas as especificações dos postos de carregamento públicos.

Já as deslocações de Canova Xavier realizam-se dentro do perímetro urbano de Lisboa e, portanto, a sua quilometragem é inferior. "Já fiz à volta de 500/600 quilómetros e posso dizer que este é um excelente carro de trabalho. Arruma-se bem, tem um conforto bastante razoável e permite uma vida mais calma do que a de andar com um veículo mais potente - somos escravizados com idas a revisões, estações de serviço, etc. E, com este carro, acabo por fazer uma condução menos agressiva."

Este médico de clínica geral - "Sou geriatra, mas a especialidade não é reconhecida em Portugal", acusa - só colocou uma questão prévia na hora de comprar o pequeno utilitário eléctrico da Mitsubishi: "Tinha de ser branco, que é a cor de todos os carros lá de casa." E, por falar em casa, confessa que teve de persuadir a mulher, habituada a carros maiores, a experimentar o i-MiEV.

Tal como acontece com José Rapagão, Canova Xavier carrega a bateria todas as noites, na sua garagem. No seu estilo muito "político", destaca o facto de os cartões que possibilitarão o carregamento nos postos públicos ainda não estarem disponíveis... "É mais uma prova de que em Portugal nada se faz a tempo e horas!" Para ele, optar por um carro eléctrico foi o passo lógico na sua busca por um veículo mais económico e amigo do ambiente. "Já tive um híbrido, mas, com o meu pé pesado no acelerador, acabava por não economizar nada..."

Para o médico, é o início da relação com a Mitsubishi. Mas para José Rapagão trata-se de uma longa história de amor, que meteu alguns episódios mais escaldantes, como o do 3000GT, nos anos 1990. Custa imaginar este homem bonacheirão e de falas discretas ao volante de um carro desportivo de elevada performance, mas, lá está, "eram outros tempos"...

Agora, diverte-se tanto ao volante como a registar as reacções das pessoas perante a novidade. "Pelo ar do carro não se apercebem, o que notam é que não faz ruído. Normalmente riem-se quando lhes explico que é eléctrico, não acreditam, mas depois vão lá." Será uma questão de tempo até estes carros se tornarem triviais.

Para já, o grande obstáculo é mesmo o preço: um i-MiEV custa 35.250 euros (o Estado reembolsa 5000 a título de incentivo). Depois dessa má notícia, as seguintes são todas boas. As baterias têm cinco anos de garantia, as revisões são a cada 20.000km e basta ligá-los à corrente durante a noite para andarem por aí todo o dia, silenciosamente. E podemos deixar o Multibanco em casa.

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