Câmara promove os mercados lisboetas com o apoio de grandes cozinheiros

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rui gaudêncio

O chef Igor Martinho foi à Encarnação ensinar a preparar caldeirada de raia com batata-doce. Já quase não há vagas para as próximas aulas de culinária nos mercados de Lisboa

Igor Martinho não se desmancha quando Aurora solta a língua mais afiada do mercado da Encarnação Norte: "Se os legumes estão fresquinhos? Até o meu grelo está fresquinho!" Acompanhado pelos alunos de ocasião, recrutados para uma manhã de ensinamentos, o mestre de culinária continua as compras para a caldeirada de raia que há-de confeccionar dali a pouco, numa bancada improvisada. É a primeiro de dez aulas gratuitas que a Câmara de Lisboa promove nos mercados da cidade ao sábado de manhã, entre Janeiro e Abril. Do alto do seu carrapito branco de 68 anos, a vendedeira de hortaliças continua imparável. "Queres as cebolas maiores? Gostas de coisas grandes? Eu também gostava..." O chef Igor, do restaurante Hemingway, avança para as bancadas seguintes, acompanhado por duas dezenas de olhos que tentam seguir os conselhos que nem sempre se conseguem ouvir no meio dos sons da praça: "É melhor o pimento ser vermelho, porque o verde é um pouco mais ácido. Além do tomate fresco maduro vamos também comprar polpa e vinho branco, para engrossar o molho..."

Com uma letra desenhada na perfeição, Jin Sun Lee anota tudo num caderno de argolas. Apreciadora das iguarias portuguesas - "Adoro bacalhau com natas, pastéis de bacalhau" -, a assessora cultural da embaixada coreana correu a inscrever-se na aula de Igor Martinho, mas tenciona não se ficar por aqui. "Quero ir ao mercado de Campo de Ourique, onde no dia 5 de Março vai estar o chef Gemelli [restaurante Gemelli], e ao de Alvalade, já na semana que vem, para aprender uns truques com o chef Paulo Pereira [restaurante Clara]." Confeccionada com batata-doce, a caldeirada de raia de hoje trouxe recordações a Jin Sun Lee: "Na Coreia usamos muita batata. Nos bolos, mas também nas sopas, no caril..."

O objectivo da iniciativa, que foi lançada em parceria com os organizadores do selo de qualidade alimentar O Sabor do Ano, é promover os mercados lisboetas. Uma meta que Igor Martinho sabe que não pode passar só pela vinda dos mestres de culinária ao mercado. "Aqui os produtos são superiores aos das grandes superfícies, porque são mais frescos. Mas no meu restaurante misturo produtos das duas proveniências, porque não tenho tempo para andar sempre nos mercados. Se funcionassem até mais tarde..."

Pouco passa das 10h30 quando os alunos improvisados enfiam na boca as primeiras garfadas de lulas com manga, uma entrada preparada pelo chef para abrir o apetite para o resto. Promovido a ajudante de Igor Martinho, um motorista da Carris que também veio à aula matinal está nas suas sete quintas. "Adoro culinária", diz o angolano de 50 anos. "Fascina-me vir às compras aos mercados e ver as cores dos peixes, das carnes, pegar em tudo..." Tal como outros participantes, também acha que a iniciativa podia ter sido melhor organizada - o que não o impede de lamentar já não ter conseguido arranjar lugar na aula que terá lugar a 19 de Fevereiro no mercado da Ribeira com o chef Luís Santos, do restaurante Tágide. O limite de 20 inscrições para as dez sessões agendadas esgotou-se num instante.

As incrições são gratuitas, embora no passado sábado já só houvesse vagas para os workshops do dia 19 de Março, em que o chef Carlos Martins, do restaurante Aviz, estará em S. Domingos de Benfica, e do dia 2 de Abril, em que o chef Luís Rodrigues dará a última das dez aulas no mercado de Benfica.

Aurora aproxima-se de mansinho da bancada onde Igor Martinho esteve a cozinhar. Os odores da caldeirada que se espalharam pelo pequeno mercado deixaram-na com água na boca, mas a vergonha de pedir para provar fala mais forte. Vale-lhe uma peixeira, que lhe arranja um pratinho. "Nunca tinha ouvido falar em raia com batata doce", observa. Volta ao seu lugar consolada: "Tá "muita" bom! As minhas cebolas e os meus alhos "tão muita" bons..."

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