Custo extra com a dívida vai consumir poupança com corte dos salários

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Sócrates e Teixeira dos Santos terão que refazer contas DANIEL ROCHA

Portugal vai pagar mais 808 milhões de euros do que previa no Orçamento com os juros da dívida. Situação está a tornar-se insustentável, avisam os analistas

Os custos do Governo com a dívida pública devem atingir este ano os 7100 milhões de euros, mais do que o Estado gasta, por exemplo, com todo o Ministério da Educação. A escalada das taxas de juro nos mercados internacionais está a pressionar as contas e vai fazer Portugal gastar, este ano, mais 808 milhões de euros do que aquilo que se previa no Orçamento do Estado (OE). Este valor equivale a quase toda a poupança que o Governo vai obter com o corte de cinco por cento na massa salarial da função pública ou a 80 por cento das receitas extraordinárias decorrentes do aumento do IVA.

De acordo com os cálculos feitos pelo PÚBLICO (ver infografia), Portugal terá de pagar mais 13 por cento nos juros da dívida (808 milhões de euros) do que previa no OE deste ano. Para 2011, o executivo estava a contar que os encargos decorrentes dos custos da dívida chegassem aos 6326 milhões de euros.

Contudo, a escalada dos juros nos mercados e a subida das taxas nas novas emissões está a pressionar a taxa média da dívida. A Comissão Europeia prevê que Portugal tenha de pagar este ano uma taxa implícita de 4,5 por cento, mais 0,6 pontos percentuais do que o Governo previa no OE. Isto significa que os custos totais com a dívida vão atingir este ano os 7134 milhões, um valor superior à despesa total do Ministério da Educação e equivalente a 80 por cento do orçamento do Ministério da Saúde.

"No longo prazo, a situação é insustentável", considera João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Para o economista, Portugal "pode aguentar o sufoco dos juros até querer, mas depois ou aumenta em mais uns biliões a emissão de dívida para cobrir os custos ou toma mais medidas de austeridade". O limite será o dia em que os mercados deixarem de comprar as obrigações e os bilhetes do tesouro nacionais.

"Quando não houver ninguém para comprar a dívida, a ilusão acaba", sentencia João Duque, acrescentando que sempre achou que isso iria acontecer mais tarde ou mais cedo a Portugal e, "quanto mais tarde o estouro se der, mais volumoso será".

De acordo com o OE, Portugal terá de financiar-se em cerca de 46 mil milhões de euros. O grosso dessas necessidades brutas de financiamento - cerca de 35 mil milhões - vai para pagar a dívida que vence, dos quais 28 mil milhões serão obrigações e bilhetes do tesouro. É preciso ainda ir buscar mais dez mil milhões ao mercado para tapar o buraco do défice e o restante fica para pagar juros e para outras despesas do Estado.

Filipe Silva, analista do mercado da dívida no Banco Carregosa, estima que, por cada meio ponto percentual que a taxa de juro das obrigações sobe, os custos que o Estado tem com a dívida aumentam em 600 milhões de euros. "Esta subida dos juros acabará, mais tarde ou mais cedo, por absorver o corte nas remunerações da função pública ou os ganhos do aumento do IVA", considera.

"Mais vale chamar o FMI"

Para Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI, o nível das taxas médias de juro era já "insustentável" no ano passado. "Estamos com juros acima da nossa taxa de crescimento nominal, o que cria uma dinâmica inexorável de aumento da dívida pública", defende a economista.

Portugal só conseguiria endividar-se a estas taxas, se tivesse um excedente primário, "algo que historicamente nunca teve" e que muito menos terá este ano, com a economia prestes a afundar-se novamente na recessão. "Vamos ter de emitir cada vez mais dívida só para sustentar o pagamento dos juros", conclui.

Filipe Silva admite mesmo que, se o Estado continuar a endividar-se a seis por cento, "mais vale chamar o Fundo Monetário Internacional (FMI)", que fez empréstimos à Grécia e à Irlanda com taxas abaixo desse valor. "O que estamos a pagar de juros é brutal e, a manter-se durante muito tempo, é um poço sem retorno", conclui.

Para Diogo Teixeira, administrador da gestora de activos Optimize, os altos juros que Portugal tem estado a pagar nas emissões tornam-se "um custo improdutivo para a economia portuguesa, que a vai manter de baixo de água e incapaz de crescer enquanto não estivermos numa posição um pouco melhor".

O maior esforço de financiamento deverá estar concentrado na primeira metade do ano, mas o impacto nas contas públicas irá bem além de 2011. É que, se os bilhetes do tesouro têm uma maturidade até um ano, as obrigações podem ir até aos 50 anos, o que significa que as altas taxas a que Portugal está a financiar-se neste momento continuarão a ser pagas por muitos e muitos anos.

Neste momento, Portugal tem feito emissões abaixo do par, o que significa que está a ter uma perda de capital, que vai distribuir ao longo da vida de uma determinada obrigação. Segundo Filipe Silva, quando o Estado emitiu, na quarta-feira, dívida a nove anos e a uma taxa de 6,7 por cento, esta taxa não é aquela que fica inscrita no cupão da obrigação, mas sim 4,8 por cento.

A diferença é "compensada" logo no momento da emissão, pois em vez de o comprador da dívida pagar, por exemplo, 100, só vai pagar 80. Mas, quando a dívida atingir a maturidade, o Estado tem de pagar na mesma 100. Essa perda é reconhecida ao longo da vida da obrigação. "É extremamente importante para o Estado conseguir ter um juro mais baixo no cupão, porque assim tem, pelo menos, o tempo a seu favor", salienta Filipe Silva.

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