Torne-se perito

Banco de Portugal prevê maior quebra de sempre do consumo privado para este ano

Austeridade empurra salários para a maior descida nominal de que há registo e vai diminuir o rendimento disponível das famílias. Economia volta à recessão

É este ano que as famílias portuguesas vão conhecer o verdadeiro significado da expressão "apertar o cinto". O Banco de Portugal (BdP) divulgou ontem as suas previsões para 2011, que vão ao encontro de várias organizações internacionais e contrariam o optimismo do Governo.

A economia vai voltar a entrar em recessão, contraindo 1,3 por cento este ano, e o consumo privado vai afundar para o nível mais baixo de sempre. Um cocktail explosivo de descida recorde dos salários, subida de impostos, agravamento das condições de crédito e do desemprego vai afundar em 2,4 por cento o rendimento real das famílias.

De acordo com as previsões do Boletim Económico de Inverno, ontem divulgadas, 2011 será o ano em que o consumo privado vai registar a maior queda de sempre (2,7 por cento), pelo menos desde 1979. As famílias vão cortar, sobretudo, nos bens duradouros, onde se espera uma descida de 21,7 por cento este ano, fruto da retracção do consumo e também da antecipação de compras de automóveis no final de 2010 devido à subida do IVA e ao fim dos incentivos ao abate de veículos.

A pressionar o consumo privado para baixo estará o rendimento real disponível das famílias, que vai diminuir 2,4 por cento. Só em 1984 e em 1994, houve uma queda maior do rendimento das famílias, numa altura em que a elevada taxa de inflação consumia a subida dos salários.

Agora, apesar de Portugal ir enfrentar a maior descida dos salários em termos nominais (-1,4 por cento) de que há registo, a descida real não é tão grande. Na sequência do corte de cinco por cento na massa salarial da função pública, o BdP acredita que o sector privado será pressionado a moderar os seus vencimentos.

Nas transferências internas, que incluem as prestações sociais (subsídios de desemprego, pensões, rendimento social de inserção, etc.), aponta-se para uma quebra de 1,2 por cento este ano, que complicará a situação das famílias com menores rendimentos.

Do lado do emprego, as más notícias mantêm-se, com o BdP a prever que a economia perca quase 50 mil empregos este ano e mais 10 mil em 2012. Com a maior quebra de sempre no consumo privado e todos os outros componentes do produto interno bruto (PIB) em terreno negativo (ver tabela), excepto as exportações, a economia não vai resistir.

Recessão pode ser maior

O Banco de Portugal aponta para uma recessão de 1,3 por cento este ano, que vem em linha com a do FMI (-1,4 por cento), da Comissão Europeia (-1 por cento) e da OCDE (-0,2), mas contraria o optimismo do Governo, que é o único que espera que a economia ainda consiga crescer uns tímidos 0,2 por cento este ano.

O ministro da Economia, Vieira da Silva, voltou ontem a reafirmar a previsão do Governo e desdramatizou as diferenças nas projecções, dizendo que tanto o executivo como o BdP prevêem um 2011 pior, mas a "velocidades" diferentes.

A agravar o cenário, há fortes riscos de a previsão do banco central ser revista em baixa. De acordo com o BdP, há uma probabilidade de cerca de 60 por cento de o crescimento do PIB ficar abaixo de -1,3 por cento este ano e uma probabilidade de 63 por cento de o mesmo acontecer em 2012, ano em que se prevê um "crescimento limitado" de 0,6 por cento.

Entre os factores que poderão comprometer a economia está a procura externa, que pode ficar abaixo do previsto devido às tensões nos mercados da dívida pública e a eventuais novas medidas de austeridade nos nossos parceiros comerciais. O consumo privado e o investimento poderão ainda cair mais do que o esperado e as condições de crédito poderão tornar-se ainda mais restritivas.

A isto junta-se o facto de as previsões do BdP não contemplarem o impacto das medidas da Iniciativa para a Competitividade e o Emprego, anunciadas a 15 de Dezembro, nem todo o conjunto de medidas do Orçamento do Estado que não foram suficientemente especificadas como, por exemplo, a redução dos consumos públicos intermédios. Além disso, a instituição deixa subentendido que o Governo poderá precisar de tomar medidas de consolidação adicionais em 2011 e 2012, para cumprir as metas do défice, o que poderá colocar ainda mais pressão sobre a economia.

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