Câmara do Porto usou contratos de factoring para contornar limite no acesso ao crédito

Auditoria do Tribunal de Contas é genericamente elogiosa para o município, mas aponta para procedimento sancionatório por causa dos contratos

O Tribunal de Contas (TC) censura a Câmara do Porto, considerando que esta montou uma operação de factoring (venda de créditos a uma entidade que assume a cobrança e respectivo risco) concretizada por fornecedores e empresas municipais aos quais a autarquia devia dinheiro. Para o TC, este foi um expediente adoptado para contornar os limites de acesso ao crédito da câmara e, por isso, ilegal e passível de procedimento sancionatório. Com excepção deste particular, as conclusões da auditoria relativa aos exercícios de 2007 e 2008 e "orientada ao endividamento e relações financeiras" com as empresas municipais são elogiosas para o município.

Segundo o relatório, com data de 18 de Novembro e agora tornado público, "é bom" o sistema de controlo interno nas áreas do endividamento e das relações financeiras com as empresas municipais; a autonomia financeira da autarquia "evidencia estabilidade"; o município "cumpriu o princípio do equilíbrio orçamental" e apresentou até "receitas correntes superiores às despesas correntes"; a dívida global apresentou "um decréscimo de 24 por cento"; e foram "cumpridos os limites gerais de endividamento". Ainda no que respeita às empresas municipais, os auditores do TC concluem que naqueles dois anos receberam dos cofres do município "verbas que ascendem a 96 milhões de euros".

Quanto aos contratos de factoring, celebrados com os bancos BPI (9) e BCP (2) e envolvendo mais de 52,6 milhões de euros, o relatório conclui que "consubstanciam um expediente tendente à consolidação de créditos vencidos de curto prazo, que não está previsto nem é consentido por lei, situação que indicia a prática de actos passíveis de eventual responsabilidade financeira sancionatória". O relatório foi, por isso, remetido aos procuradores do Ministério Público no TC, para ser desencadeado o respectivo processo.

No essencial, os referidos contratos consistiram na cedência àqueles dois bancos dos créditos que as empresas detinham sobre a autarquia. Ou seja, os bancos liquidaram as facturas em nome da câmara, cobrando os respectivos juros e despesas. Entre os credores estavam as empresas municipais GOP, DomusSocial, a Associação do Gabinete de Desporto do Porto e as empresas Eyssa Tesis, Serurb, Securitas, Jaime Ribeiro, Soares da Costa e Somague.

Constatando que os efeitos financeiros da operação são em tudo idênticos aos de um empréstimo bancário, o TC entende que o que efectivamente o município pretendeu "foi converter dívida administrativa resultante da execução de empreitadas ou compras públicas em dívida financeira, dívida de curto prazo em dívida de médio prazo (...) e, por essa via, alterar a relevância e leitura contabilística dessas dívidas". Tudo porque, concluem os auditores, apenas "no âmbito de um contrato de empréstimo para saneamento financeiro" era permitido o recurso ao crédito público para reestruturação de dívidas a fornecedores de curto e médio prazo. "Acresce que nos exercícios de 2004, 2005 e 2006 o município havia já excedido o limite geral de empréstimos", pelo que o recurso aos contratos de factoring foi "apenas uma forma de contornar os limites legais de recurso ao crédito", sublinha a auditoria.

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