Algumas certezas sobre a Justiça

As dúvidas que subsistem no caso Freeport confirmam as certezas sobre a ineficácia do sistema judicial

Parecia estar a ser a semana dourada de José Sócrates. O fim do caso Freeport e o desfecho do negócio PT/Telefónica trouxeram um gosto a triunfo que há muito parecia ter desaparecido de São Bento. Mas a divulgação, ontem, pelo PÚBLICO, de que os investigadores do caso Freeport não chegaram a confrontar o primeiro-ministro com 27 questões, alegando falta de tempo, esvaziou essa euforia. Num momento em que na entourage do primeiro-ministro já se clamava por vingança, descobre-se que o inquérito deixou questões essenciais pelo caminho.

Nada disto significa que o primeiro-ministro passou a ser suspeito de alguma coisa. Significa apenas que, num caso que envolvia o primeiro-ministro, a Justiça não funcionou como devia. José Sócrates está a saborear uma vitória política, mas o Estado de direito saiu uma vez mais derrotado de um grande processo mediático.

A decisão do procurador-geral da República que reagiu à notícia do PÚBLICO ordenando um inquérito "a curto prazo", não ajudou a melhorar as coisas. Pinto Monteiro decidiu lavar as mãos como Pilatos. Devia, no mínimo, ter assumido a responsabilidade por uma falha que o país não compreende, em vez de a delegar num inquérito inútil.

As dúvidas que subsistem no caso Freeport acabam por confirmar as certezas que podemos ter quanto à incapacidade do sistema judicial português - que o relatório da Transparência Internacional, ontem conhecido, veio confirmar, no que toca ao combate à corrupção. Que certezas são estas? A de que temos uma justiça ineficaz, opaca e complacente com os seus próprios erros. José Sócrates pode voltar a dormir tranquilo. Mas há um pesadelo de que o país não está perto de acordar.

A sentença tardia do carrasco da S-21

O nome da prisão dirá pouco ou nada à grande maioria, mas como hoje se recorda no P2, revisitando-a, a S-21 foi uma das mais sinistras prisões da história. Nela, o regime comunista radical dos khmer vermelhos liquidou com crueldade, frieza e indiferença muitos milhares de pessoas. Por 14 mil mortes, o chefe de tal prisão, o carrasco Duch foi esta semana condenado por um tribunal especial a 35 anos de prisão e deverá cumprir apenas 19, estranha matemática de 11 horas de prisão por cada morte. A sentença, que teve eco nas primeiras páginas de muitos jornais do mundo, foi ouvida pelos cambojanos, pela televisão. Muitos choraram, Duch não. Manteve-se impávido, ele que tinha pedido inclusive para o condenarem à "pena mais dura". O pior é que, com tal sentença, não apenas o Camboja não ajusta verdadeiramente contas com o seu passado (Duch foi, dos muitos responsáveis pelo regime sanguinário de Pol Pot, o único a reconhecer-se culpado), como se arrisca, ao quase omitir nos livros de escola esses anos de terror (1975-1979), a não fazer justiça à memória das vítimas. Se no mundo se recorda o Holocausto nazi para que não mais se repita, os ensinamentos dos inomináveis anos da ditadura khmer deviam ser levados a todos, e não só em museus.

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