Reconhecer a pobreza como violação de direitos humanos

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É de desejar que as redes sociais venham a ter um papel relevante na alteração de conceitos, mentalidades e práticas

Declarado pelas instâncias comunitárias ano de combate à pobreza e à exclusão, 2010 poderá ser um marco na construção de uma Europa mais equitativa e solidária e ficar assinalado como um passo decisivo para reconhecer que a pobreza constitui uma violação de direitos humanos e como tal tem de ser erradicada.

É, porém, legítimo interrogarmo-nos: sê-lo-á realmente? Em que condições?

Considerando a experiência de eventos similares no passado, há que recordar que não bastarão as manifestações de bons propósitos e as palavras eloquentes dos discursos políticos de circunstância. Fazer do combate à pobreza e à exclusão uma causa comum europeia exige, antes de mais, que se tenha a coragem de ir à raiz do problema e se mobilizem tanto os actores políticos como o cidadão comum, o que não será tarefa fácil.

Em primeiro lugar, importa que os cidadãos tomem consciência da dimensão deste problema, conheçam com objectividade os seus contornos e, sobretudo, não ignorem os seus mecanismos geradores. Acima de tudo, é indispensável que adquiram uma percepção da pobreza que não a identifique com uma mera fatalidade ou consequência de comportamentos morais individuais, mas como uma violação de direitos humanos fundamentais, criada pelo funcionamento de um sistema económico e social injusto que produz exclusão. Em particular, afigura-se necessário todo um trabalho de esclarecimento que leve a superar ideias e atitudes preconceituosas acerca da pobreza e desencoraje quaisquer práticas discriminatórias em relação aos pobres, que contrariem a igualdade de oportunidades que uma sociedade democrática deve proporcionar a todos os seus membros, sem excepção.

O próprio conceito de pobreza material, em que se têm fundamentado as análises estatísticas correntes e as políticas públicas de combate à pobreza, carece de profunda revisão. Se é certo que o baixo nível do rendimento monetário das pessoas e famílias é condição de pobreza, não é menos verdade que não é suficiente (ainda que indispensável em certas situações) aumentar o montante dos subsídios, pois isso, só por si, não devolve aos pobres a capacidade de poderem aceder a direitos fundamentais (trabalho, saúde, educação, cultura, segurança, participação, cidadania) e determinarem livremente as suas opções de vida e o seu futuro.

Em tempo de não-crescimento da economia, como presentemente sucede, é particularmente exigente o compromisso do Estado e dos particulares no combate à pobreza e à exclusão. É que, por um lado, o mercado de trabalho tende a retrair-se, levando ao desemprego, e, por outro, tende a praticar reduções de salários reais e a aumentar a precariedade do trabalho. Em ambos os casos, com consequências muito negativas no agravamento da incidência e severidade da pobreza.

No combate à pobreza e à exclusão, cabe ao Estado um papel pró-activo no sentido de promover e orientar o desenvolvimento sustentável, de modo a impedir o agravamento das desigualdades e a excessiva concentração da riqueza e desempenhar um papel subsidiário do mercado de trabalho na absorção do desemprego e na regulação dos salários e demais direitos dos trabalhadores. Por outro lado, para além da fixação de patamares mínimos de rendimento de subsistência, a pobreza combate-se através da garantia de acessibilidade a serviços de provisão de bens públicos de qualidade, nomeadamente no que respeita à saúde, à educação, à habitação, à segurança, etc., a que só uma política fiscal altamente redistributiva e uma maior eficiência administrativa poderão fazer face.

No combate à pobreza e à exclusão, também não poderão ficar de fora as instituições de solidariedade social da sociedade civil que prestam serviços de prevenção e de assistência social através dos quais se minimizam as situações de pobreza. É de desejar que as redes sociais, previstas para existirem em todos os concelhos, venham a ter um papel relevante na alteração de conceitos, mentalidades e práticas de combate à pobreza e exclusão e contribuam decisivamente para pôr termo à pobreza nas suas expressões mais severas, para que, quanto antes, a pobreza seja remetida para os registos da história. Professora universitária. Aposentada. Artigo publicado no âmbito das iniciativas da Cáritas Portuguesa

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