Uma envolvente Ariadne em final de temporada

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Jochen Schmeckenbecker

A temporada Gulbenkian chegou ao fim com mais uma ópera em versão de concerto, desta vez Ariadne auf Naxos, de Richard Strauss, uma obra que recorre a um dos mais fascinantes libretos da história da música (da autoria de Hugo von Hofmannsthal) e que revela o talento dramático do compositor em todo o seu esplendor, combinando as dimensões "mozartiana" e "wagneriana" da sua personalidade.

Depois de ter dirigido a Salomé em 2006 e a Elektra em 2009, o maestro Lawrence Foster mergulhou agora numa outra faceta do diversificado universo operático de Strauss e conduziu uma interpretação envolvente que contou com algumas novidades. Foi incluída legendagem e, em vez dos cantores permanecerem à frente da orquestra quase estáticos, passaram a movimentar-se em cima de um estrado ao fundo do palco e a fazer entradas e saídas de cena de acordo com a acção. Houve também o cuidado em relacionar os figurinos com as personagens. Simples e eficaz, a movimentação cénica ajudou a recriar na mente do ouvinte o rico imaginário da obra, um típico exemplo de teatro dentro do teatro, onde a intriga se estabelece mediante um jogo de espelhos entre a personalidade dos actores/cantores que vemos no Prólogo e na Ópera propriamente dita.

Irónico confronto entre o universo da ópera séria e da ópera buffa, o argumento relata as consequências da contratação por parte do "homem mais rico de Viena" de uma companhia operática (que deveria estrear a ópera séria, Ariadne auf Naxos, de um jovem compositor) e outra de comediantes italianos. Os confrontos tornam-se inevitáveis e agravam-se pelo facto de o espectáculo não se poder prolongar para além das 21h00, por causa do fogo-de-artifício... A solução será misturar as duas obras, não obstante a relutância do Compositor.

Ariadne auf Naxos exige três cantoras de perfis diferentes às quais são pedidas grandes proezas técnicas, musicais e teatrais: o Compositor; a Prima-Donna/Ariadne; e Zerbinetta. As três intérpretes que estiveram na Gulbenkian revelaram-se escolhas acertadas. A soprano Heidi Brunner desempenhou com eloquência os vários estados de alma do Compositor (normalmente interpretado por uma meio-soprano) e mostrou uma voz extensa, ampla e flexível em todos os registos. Olesya Golovevna encarnou Zerbinetta com leveza e sem exageros desnecessários e superou com desenvoltura as estonteantes coloraturas do seu grande monólogo. Este pode facilmente transformar-se numa oca exibição virtuosística, mas a soprano soube dar-lhe sentido, combinando sensibilidade e humor. Dara Hobbs tem um belo timbre de soprano dramático e grandes recursos vocais. Cantou com nobreza o famoso monólogo Es gibt ein reich, mas foi no dueto com Baco (um pujante Michael König) que atingiu a expressividade mais intensa.

Dos comediantes colegas de Zerbinetta destaca-se o barítono Jochen Schmeckenbecker (Arlequin), que realizou também uma dinâmica prestação como Professor de Música, e as ninfas Dryade (Liliana Faraon), Najade (Miroslava Yordanova, meio-soprano de voz muito espessa) e Echo (Dora Rodrigues) mostraram o seu melhor nas secções mais líricas que acompanham a chegada de Baco. A direcção de Lawrence Foster evidenciou de forma veemente os grandes contrastes estilíticos da partitura e a Orquestra Gulbenkian mostrou-se equilibrada e com uma sonoridade envolvente adequada ao universo straussiano, não obstante algumas ligeiras imperfeições ocasionais. O público reagiu com grande entusiasmo, aplaudindo longamente em pé.

Cristina Fernandes

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