Montalvão Machado Um belo cidadão

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Mário Montalvão Machado entre Durão Barroso (esq.) e Álvaro Barreto bruno portela/arquivo

Esteve ao lado de Sá Carneiro na fundação do PPD e, depois da sua morte, apoiou Cavaco Silva. Entre a advocacia, de que nunca desistiu, e a política, venceu sempre o combate pela liberdade

Com Francisco Sá Carneiro aderiu ao PPD. Com Cavaco Silva chegou ao Conselho de Estado e à liderança da bancada parlamentar do PSD, onde se distingiu como tribuno. Mas viu escapar-lhe a presidência da Assembleia da República, o lugar que porventura mais ambicionara. No seu escritório de advogados, no Porto, sempre encontrou um refúgio seguro. Mário Montalvão Machado morreu ontem, aos 88 anos, na sua casa de Santo Tirso. "Era um belo cidadão", diz Miguel Veiga, um dos fundadores do partido. Era o militante número 6 do PSD.

Nos últimos anos, a doença afastou Mário Montalvão Machado da cena política, a sua trincheira de combate desde os tempos de juventude. Insubmisso contra o salazarismo, conviveu de perto com os meios oposicionistas ligados ao republicanismo histórico. Foi entre essa gente insubmissa do Porto contra o regime do Estado Novo, onde pontuavam figuras como Artur Santos Silva (pai) e Miguel Veiga, que Francisco Sá Carneiro o escolheu para ajudar a fundar um partido social-democrata, logo após a Revolução do 25 de Abril. "Sá Carneiro vinha dos meios progressistas católicos. Faltava patine ao PPD e figuras como Montalvão Machado davam-lhe essa patine",disse ontem o deputado social-democrata Agostinho Branquinho. "O dr. Montalvão Machado fazia parte de um grupo de militantes que vinham da oposição clássica. Teve muita importância no início do PPD, porque essas pessoas mostravam que este partido não tinha qualquer ligação ao anterior regime", acrescenta Amândio de Azevedo. "Mas ele também foi fundamental para a subida ao poder de Cavaco Silva", frisa este histórico fundador do partido, elogiando "o grande prestígio, a grande serenidade e seriedade" do amigo com quem conviveu até aos últimos dias.

Natural de Montalegre, Montalvão Machado fez do Porto a sua cidade de adopção, depois de ter concluído o curso de Direito em Coimbra. O apoio à candidatura de Humberto Delgado faz parte dos pergaminhos de família. O seu irmão, Júlio Montalvão Machado, foi fundador do PS e foi da quinta de família em Chaves, "que faz fronteira com Espanha", que Manuel Alegre deu o salto para o seu exílio político, em 1964. "Presto a minha homenagem a Mário Montalvão Machado, uma referência do PSD e da democracia", disse ao P2 o candidato presidencial. "Era um advogado de toga, teve cargos de muito relevo por mérito próprio, exercia a cidadania com dignidade, batia-se pelas suas convicções", sublinha Veiga.

O refúgio da advocacia

Por escolha de Francisco de Sá Carneiro, Montalvão Machado integra a primeira comissão executiva do PPD em 1975, ano em que assume também a presidência da comissão política distrital dos sociais-democratas portuenses. Incondicional do fundador, mantém-se sempre a seu lado na implantação do partido até à morte de Sá Carneiro. Pinto Balsemão assume as rédeas e Montalvão Machado aproxima-se daqueles que, como Eurico de Melo, viam em Cavaco Silva o sucessor de eleição.

No célebre congresso da Figueira da Foz, em 1985, em que Cavaco derrota João Salgueiro (o candidato apoiado pelos balsemistas) e chega à presidência do partido, candidata-se à presidência da mesa do congresso. Conhece o primeiro desaire. Perde para Pinto Balsemão.

Eleito líder, Cavaco avança para a conquista do poder e retribui apoios. Em 1985, Montalvão Machado é escolhido para liderar a lista de deputados pelo círculo do Porto. Com a primeira maioria absoluta do PSD, em 1987, integra o Conselho de Estado e ascende à liderança da bancada parlamentar dos sociais-democratas, cargo que ocupa até 1991. O seu apoio a Cavaco, que nunca vacilou, alimentou-lhe a ambição de chegar à presidência da Assembleia da República, mas o líder preferiu Barbosa de Melo. "Ele ficou um bocado de candeias às avessas com Cavaco", admite Miguel Veiga. "Houve realmente a hipótese de ele presidir ao Parlamento, mas as coisas não correram bem, alteraram-se", acrescenta Amândio de Azevedo. Numa decisão inédita, o líder do partido resolveu levar à votação da comissão política permanente o nome para o presidente da Assembleia da República que haveria de suceder a Victor Crespo. Contou os votos e anunciou que seria Barbosa de Melo. No seu escritório de advocacia do Porto encontrou o refúgio de sempre, onde continuou a trabalhar, distanciando-se da política activa.

Em 2007, o já Presidente da República Aníbal Cavaco Silva decidiu condecorá-lo com a Grã Cruz da Ordem da Liberdade. "Uma homenagem justa a um homem que sempre defendeu os valores da democracia e da liberdade", declarou então Cavaco Silva, com o penhor de quem "beneficiou do apoio e dos conselhos de Montalvão Machado". Emocionado, aquele homem franzino, seco, mas de uma afabilidade invulgar, mostrou-se orgulhoso. "O meu nome de família fica ligado para sempre à causa da liberdade", disse Montalvão Machado. Ontem, Miguel Veiga descrevia assim o amigo: "Ele era um bom diplomata, não era arisco, não tinha bicos. Era um belo cidadão."

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