"Esta é uma grande oportunidade para o transporte público"

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A CP tem várias dificuldades para fazer face a um aumento grande da procura na Linha do Norte ADRIANO MIRANDA

Apesar das intervenções realizadas nas vias paralelas às que serão portajadas, estas dificilmente serão alternativa para quem dá mais importância ao tempo, e à pontualidade, nas suas deslocações no Grande Porto. A CP até admite uma duplicação da procura no eixo Aveiro-Campanhã. Por Abel Coentrão (texto) e Adriano Miranda (foto)

a Para além do Estado, que admite encaixar 120 milhões de euros por ano, e da Brisa, que deixa de ter na A29 um concorrente gratuito à A1, quem ganhará com a cobrança de portagens nas vias sem custos para o utilizador (Scut) das três concessões rodoviárias do Grande Porto? Com os cidadãos, empresas e autarcas a prometerem protestos ao longo das próximas semanas, a decisão, polémica mesmo dentro do próprio PS, partido que suporta o Governo que a tomou, deverá ter impacto positivo no transporte público, admitem especialistas em mobilidade. A CP e a Metro do Porto, que contribuíram nos últimos anos para uma inversão da tendência de perda de clientes por parte do sector, estão à espreita, já que, no plano rodoviário, as designadas alternativas não passam, em boa parte dos casos, de ruas urbanas, a fazer demorar, muito, os trajectos de e para a área central do Grande Porto.

Construídas como alternativas à EN13 e a EN109, no caso da A28 e da A29, e como parte da CREP, a Circular Externa do Grande Porto, no caso da A41, as três Scut que o Governo decidiu portajar a partir de 1 de Julho terão nas vias que visaram substituir as alternativas para quem não quiser pagar. A Estradas de Portugal, que esta semana desvalorizou um memorando interno de 2006, revelado pelo PCP, em que era colocada em causa a classificação da rede nacional - e municipal - de estradas da região como "alternativa", tem feito obras de reabilitação, mas até sexta-feira o seu gabinete de comunicação não conseguiu explicar a dimensão das intervenções e o dinheiro investido para melhorar o percurso daqueles que, não pretendendo, ou não podendo, deixar de usar o carro, estejam a pensar fugir às portagens.

E, numa primeira fase, deverão ser muitos os que tentarão experimentar estas alternativas, admitem dois investigadores do CITTA - o Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Álvaro Costa e Paulo Pinho, especialistas em mobilidade e planeamento com vários estudos sobre a realidade regional, lembram o peso do factor preço na hora de definir os trajectos do dia-a-dia. Notando o primeiro que, no caso de quem faz deslocações em trabalho - caso das transportadoras -, o outro factor que pesa, o tempo, "ganha valor". Ou seja, o expectável é que estes, se puderem, acabem por pagar, integrando este custo no preço dos seus produtos ou serviços.

Já no caso das deslocações casa-trabalho, tem algum peso a regularidade do percurso, difícil de conseguir em vias nacionais estreitas, pejadas de autocarros e que cruzam centros urbanos. O que pode fazer com que, passados alguns meses, as chamadas alternativas voltem a ter o tráfego que têm hoje, ou pouco mais, optando quem possa por pagar a portagem ou transferindo-se outros para o metro ou para o comboio. É essa a perspectiva de Paulo Pinho, para quem o fim das vias Scut "é uma grande oportunidade para o transporte público"

A CP e a Metro do Porto, as duas empresas que disputam clientes às auto-estradas estão, porém, em condições diferentes num momento em que antevêem, ambas, esse desafio. Com uma antiga linha da CP electrificada e duplicada a fazer o trajecto Porto-Póvoa, a Metro do Porto oferece nas horas de ponta viagens de 45 minutos entre a Póvoa de Varzim e o centro do Porto, com um custo que, nota fonte da empresa, passa a ser competitivo para quem faça o mesmo trajecto na A28, a pagar. E admite avançar com uma campanha de comunicação e, se se revelar necessário, fazer ajustes no serviço para adequar a oferta a um aumento da procura.

CP com acção limitada

Já na rede ferroviária, um estudo de 2007, mandado realizar pela CP Porto a uma consultora externa, apontava para uma grande transferência de pessoas da rodovia para a ferrovia, caso a primeira fosse portajada. Admitia-se mesmo uma duplicação da procura pelos comboios urbanos, não só no eixo Aveiro-Campanhã, como também nas ligações da Invicta a Caíde, Braga e Guimarães. Mas tal conclusão tinha implícito um reforço da oferta, aumentando o número de comboios por hora, a sua cadência e fiabilidade. Parâmetros que a empresa não está em condições de assegurar devido ao mau estado da infra-estrutura (a cargo da Refer) no troço Aveiro-Gaia, que permanece como um dos últimos da Linha do Norte que ainda não foram modernizados.

Curiosamente, o troço Ovar-Gaia, o que se encontra mais degradado, representa quase metade da facturação e do número de passageiros transportados pela CP Porto. Nas condições actuais, a empresa já atingiu o limite da sua capacidade durante as horas de ponta e sobra-lhe muito pouco para reforçar a oferta nos outros períodos do dia. Um aumento súbito da procura que não seja acompanhado de uma melhoria da via-férrea redundará, por isso, numa degradação do serviço.

A própria frota da CP começa a ser insuficiente para responder à procura, razão pela qual a empresa considerou afectar ao Grande Porto oito dos 74 comboios que pretende comprar e para os quais abriu um concurso público estimado em 400 milhões de euros. Uma compra que, contudo, foi entretanto posta em causa devido ao Plano de Estabilidade e Crescimento e que, a não se concretizar, limitará ainda mais a resposta do caminho-de-ferro a um eventual aumento da procura.

Para além desta dificuldade, as pessoas que se movimentam regularmente entre Aveiro e o Grande Porto vão pagar portagem numa via que lhes "comeu" uma parte da EN109. "A A29 não foi pensada como auto-estrada", nota Paulo Pinho, que, sendo favorável ao pagamento da utilização destas infra-estruturas, considera que a mudança de perspectiva dos decisores, no caso daquela via, deixou as pessoas com uma auto-estrada com pior serviço, e uma "má alternativa".

O Observatório de Segurança de Estradas e Cidades (OSEC) tem em curso um estudo exaustivo sobre a A29, mas neste momento ainda não é possível avançar uma data em que o mesmo será apresentado. No entanto, o presidente da OSEC, Nuno Salpico, aponta-lhe desde já algumas deficiências. É o caso das distâncias de paragem em curva, "que deviam ter uma visibilidade mínima de 180 metros e existem lá curvas com cem metros", exemplifica. O presidente do OSEC censura também o atrito do piso, que tem de ter uma macro-rugosidade mínima de 2 mm, mas que, na A29, é inferior. "Isto, em dias de chuva, pode provocar despistes em curva e aumenta as distâncias de travagem", avisa.

Com mais ou com menos segurança, a via vai mesmo passar a ser paga, desconhecendo-se ainda, como para todas as Scut em causa, se apenas nalguns troços ou em toda a sua extensão. A cobrança começará a 1 de Julho, segundo o ministro das Finanças, mas o cumprimento do prazo depende da definição do preço, das eventuais isenções e do sistema que, electronicamente, detectará a passagem dos condutores pelos pórticos com aparelhos identificadores há muito instalados nas vias, anunciando o fim da gratuidade destas estradas. Com Carlos Cipriano e Aníbal Rodrigues

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