Este ano a Trienal de Arquitectura quer pôr-nos a falar de casas

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Lisboa numa das fotografias de Nuno Cera que servem de imagem à trienal

De 14 de Outubro a 16 de Janeiro de 2011, a trienal propõe-se fazer a arquitectura "descer à rua" e desafia os arquitectos (e todos nós) a falar de política e de democracia. E de casas, claro

Falemos de casas. É esta a proposta da Trienal de Arquitectura para 2010, depois de em 2007 se ter proposto pensar o tema dos vazios urbanos. O mote da iniciativa - cuja programação foi anunciada ontem em Lisboa, e que este ano tem curadoria do crítico de arte Delfim Sardo - parte de um poema de Herberto Helder: "Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder/tão firme e silencioso como só houve/no tempo mais antigo."

A conferência de imprensa, em que estiveram o presidente da câmara de Lisboa, António Costa, e o director-geral das Artes, Jorge Barreto Xavier, provou na prática o que o presidente da Ordem dos Arquitectos, João Rodeia, disse no discurso inicial perante o bar do Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa, cheio de arquitectos e jornalistas: "Nunca como hoje foi a arquitectura tão reconhecida como recurso estratégico de afirmação de Portugal", a par da língua e da literatura (a trienal será, aliás, a responsável pela representação portuguesa na 12.º Bienal Internacional de Arquitectura de Veneza, entre 29 de Agosto e 21 de Novembro).

Este ano, sublinhou o director da trienal, José Mateus, esta será "mais inclusiva e mais acessível": decorre entre Outubro de 2010 e Janeiro de 2011, o que vai permitir um trabalho muito mais próximo com as escolas do que na anterior edição. Além disso, e ao contrário do que acontecia em 2007, as exposições passam a ser gratuitas e a entrada na conferência internacional custará um terço do que custava há três anos (os valores variam entre 35 e 150 euros).

Coube a Delfim Sardo apresentar a programação e explicar que o grande objectivo da trienal é fazer "descer à rua" a discussão sobre arquitectura - e, sobretudo, sobre casas. Antes dos museus, dos estádios, dos aeroportos, esteve sempre a casa, a resposta primeira à necessidade do homem de ter um espaço onde viver. Das experiências com a habitação social das operações SAAL no Portugal do pós-25 de Abril ao modelo da Casa do Futuro, toda ela plástico e controlos remotos, criada pelos arquitectos britânicos Alison e Peter Smithson para uma exposição na década de 50, muito se pode discutir a partir dessa unidade básica de habitação. É esse o objectivo da exposição Falemos de Casas: Entre o Norte e o Sul, que, no Museu Colecção Berardo, percorre diferentes soluções de habitação em diferentes zonas do mundo.

Aí revisitaremos as polémicas propostas dos Smithsons - através dos projectos Pátio e Pavilhão, A Casa do Futuro, Grelha de Secção do Vale e Casa Sugden - e a forma como o casal, ligado ao Novo Brutalismo e ao movimento Pop da década de 1960, introduziu "os novos conceitos de "lugar" e "território" em contraponto com as "máquinas de habitar" de Le Corbusier".

Será, por outro lado, apresentado um vídeo-instalação de Catarina Alves Costa sobre as operações SAAL, quando um grupo de arquitectos movidos pelo idealismo tentou responder às exigências dos moradores dos bairros mais pobres, que pediam casas em vez de barracas. Haverá depois a Secção Portugal (comissariada por Luís Santiago Baptista e Pedro Pacheco), Secção Suíça (Diogo Seixas Lopes), Secção Países Nórdicos (Peter Cook) e Secção Sul-África/Brasil (Ana Vaz Milheiro e Manuel Graça Dias).

Koolhaas fala de política

A Trienal 2010 lançou dois concursos que também exigem que se pense a casa: um internacional, A House in Luanda: patio and pavilion, para a criação de habitação a custos contrados para a capital angolana; e outro destinado às universidades portuguesas, para o bairro da Cova da Moura, em Lisboa. Os resultados de ambos poderão ser vistos a partir de Outubro no Museu da Electricidade, em Lisboa.

A terceira grande exposição, no Museu do Chiado, centra-se na forma como a arte "em vários momentos, num mundo sucessivamente destruído por conflitos globais [...], reflectiu a necessidade de pensar o sentido da habitação, da construção afectiva do espaço, do casulo e das condições mínimas de sobrevivência", lê-se no texto de apresentação da trienal.

Outro momento central será a conferência internacional, que inclui alguns nomes sonantes (ainda por confirmar), como o arquitecto holandês Rem Koolhaas e o filósofo italiano Giorgio Agamben. Estes e muitos outros (Markus Miessen, Ricardo Carvalho, Jeffrey Inaba, Antanas Mockus, J.A. Bandeirinha, Yona Friedman, Joaquim Moreno, Sarah Whiting, Pier Vittorio Aureli, Jorge Carvalho, Monique Élèb, Jonathan Hill, Santiago Cirugeda, Thomas Hirschhorn e Pedro Bandeira) irão discutir a relação entre arquitectura e democracia na conferência arquitectura [in] ]out[ política, comissariada por Cláudia Taborda e José Capela.

Um tema actual, salientou António Costa, lembrando que "hoje os cidadãos são muito reactivos ao que lhes é apresentado, seja um edifício no Rato, uma igreja no Restelo ou um projecto de arranjo urbano no Terreiro do Paço", numa referência a três projectos que recentemente abriram polémicas públicas. "A arquitectura é a forma de arte mais próxima dos cidadãos. A arquitectura persegue-nos", concluiu o presidente da câmara. Por isso, "alargar o debate público sobre ela é fundamental".

É isso que a trienal pretende. Daqui a seis meses iremos falar de casas.

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