Há um futuro sem trissomia 21Há um futuro sem trissomia 21

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PAULO PIMENTA

Há boas e más notícias em relação à incidência de trissomia 21: as más são que há cada vez mais casos detectados em grávidas. De acordo com um estudo britânico são mais de 70 por cento. As boas são que, apesar disto, nascem cada vez menos bebés com a doença. Os especialistas acreditam que há um futuro sem trissomia 21. Por Ana MachadoHá boas e más notícias em relação à incidência de trissomia 21: as más são que há cada vez mais casos detectados em grávidas; as boas são que, apesar disto, nascem cada vez menos bebés com a doença. Os especialistas acreditam que há um futuro sem trissomia 21. Amanhã celebra-se o Dia Mundial dedicado a esta doença. Por Ana Machado

Quando decidiu adoptar uma criança, Maria João Pereira partiu com uma convicção: "Estava disposta a receber uma criança que ninguém quisesse." E numa das entrevistas do processo esclareceu: "Também aceitava com trissomia 21." Quando lhe deram a notícia de que ia ser mãe do Bruno, de três anos, houve um sonho que se tornou realidade. Disseram-lhe que era a única criança disponível para adopção no distrito de Lisboa. "Não sei se era ou não, mas fiquei muito feliz." E foi assim que Maria João se tornou mãe de um menino diferente.

No blogue O Tesourinho, Maria João Pereira conta o dia-a-dia desta relação com uma criança com trissomia 21. Dedica parte do seu tempo a ajudar outros pais a lidar com a doença no grupo Pais 21, da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21. Sobre o Bruno, hoje com seis anos, a frequentar o ensino regular com sucesso, diz: "É uma criança que, se for estimulada, obrigada a fazer as coisas, consegue tudo, talvez à quinta tentativa, mas consegue." Mas remata: "A diferença não é impeditiva de se amar uma criança. Mas todos queremos ter filhos sem problemas de saúde."

É nesse sentido, de um futuro com bebés sem problemas de saúde, que a medicina caminha? Há mais de 15 anos que o obstetra Luís Graça não se lembra de ter feito nascer um bebé com trissomia 21 na sua prática de clínica privada. O presidente do Colégio de Obstetrícia da Ordem dos Médicos, também médico no Hospital de Santa Maria, diz que nos hospitais públicos estes bebés continuam a aparecer: "Talvez cinco por cento dos nascimentos. Mas são casos de falta de conhecimento ou gravidezes escondidas. São basicamente mulheres que não são seguidas e que fazem apenas as três consultas de acompanhamento obrigatórias. Ou menos que isso."

Este especialista acredita num futuro com bebés sem trissomia 21. Quando os pais sabem previamente que há um cromossoma 21 a mais - o normal é ter um par - optam pela interrupção da gravidez. "Já me passaram pelas mãos casos de pais que optam por ter os bebés mesmo sabendo, mas são muito raros. As mulheres devidamente acompanhadas, que fazem todos os rastreios, normalmente optam pela interrupção. Vejo nascer cada vez menos destes bebés. Cada vez irão nascer menos crianças com doenças que podem ser evitadas", vaticina Luís Graça.

E os dados avançados ao P2 pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) indicam que Luís Graça está certo. Se na década de 1990 o número de bebés nascidos nos hospitais públicos rondava os 20 casos ao ano, a partir de 2000 resume-se a um algarismo, com apenas dois nascimentos registados em 2008. "Penso que terá a ver com métodos de rastreio pré-natal cada vez mais sofisticados e aplicados cada vez mais precocemente", afirma Lisa Vicente, do Programa de Saúde Reprodutiva da DGS.

Aumento da idade materna

O rastreio bioquímico, uma das técnicas mais importantes de diagnóstico pré-natal hoje usada, apareceu no Reino Unido em 1984. Em Portugal, começou a ser feito em 1992 pelas mãos do Centro de Genética Clínica, do Porto. "Os marcadores utilizados no início apenas permitiam uma taxa de detecção de cerca de 60 por cento. Progressivamente, a tecnologia permitiu melhorar essa taxa, que hoje se situa entre 92 e 97 por cento", explica Purificação Tavares, responsável pelo Centro de Genética Clínica, para quem a técnica, quando efectuada nas 12 primeiras semanas de gestação, permite um acompanhamento da gravidez bem informado em relação à trissomia 21 e a outras situações. "Decidir fazer um teste genético é uma questão pessoal e voluntária. E porque não é uma decisão fácil, terá que ser ponderada. É importante ter tempo para conversar com o médico acerca das consequências do conhecimento de alguns resultados", defende Purificação Tavares.

É a evolução das técnicas de diagnóstico pré-natal que explicam, segundo os especialistas, resultados como o de um recente estudo apresentado no British Medical Journal. Segundo o estudo, que analisou a tendência dos diagnósticos pré-natais e nascimentos de bebés com trissomia 21 entre 1989 e 2008 no País de Gales e Inglaterra, há mais 71 por cento de casos diagnosticados de trissomia 21. Mas há menos um por cento de nascimentos. Os investigadores da London Medical School responsáveis por esta análise não têm dúvidas em apontar dois factores como protagonistas desta realidade: "O primeiro é o considerável aumento da idade materna, que sabemos que é um grande factor de risco no que toca à trissomia 21." E o segundo, a evolução dos rastreios pré-natais - rastreio bioquímico e a amniocentese, recomendada em Portugal em mulheres a partir dos 37 anos.

Pilar Levy, geneticista pediátrica, reforça as conclusões da equipa britânica: "As mulheres estão a ter filhos mais velhas. Na minha prática clínica verifico uma média da idade materna para o primeiro filho entre os 28 e 30 anos, o que já aumenta o risco. Veja-se quando é que estas mulheres vão ter o segundo...".

E esse risco vai sempre aumentando, frisa a especialista. De acordo com dados internacionais tidos como referência para a relação risco versus idade materna, no que toca à trissomia 21, há uma probabilidade, aos 28 anos da mãe, de haver um nascimento em 1290. Essa probabilidade, quando a mãe atinge os 33, é de um em cada 575 nascimentos, e aos 38, é de um em cada 190.

Diagnósticos pré-natais

Se estas técnicas de diagnóstico não tivessem evoluído como evoluíram, o número de nascimentos de bebés com trissomia 21 teria disparado 48 por cento, uma vez que as mulheres optam por ter filhos mais tarde", dizem os investigadores da London Medical School, que acreditam que esta é uma realidade que tanto a medicina como as autoridades de saúde devem estar atentas: "Mesmo com a evolução das técnicas de diagnóstico pré-natal, o aumento da idade materna pode fazer com que nasçam mais bebés com a doença, pelo que é preciso ter estes parâmetros em consideração de modo a adequar a resposta dos sistemas de saúde às necessidades destas crianças."

Mónica Pinto, pediatra do Hospital de Dona Estefânia, trabalha precisamente neste contexto, quando a criança com trissomia 21 nasce. "Todos os pais querem um filho perfeito. E normalmente uma mulher que se submete a uma amniocentese está motivada para interromper a gravidez caso o resultado seja positivo para uma trissomia. Mas nem todos os problemas são diagnosticados. E há quem, depois dos resultados, decida mesmo não interromper. Pode não ser assim tão dramático. Tenho testemunhado muitas vivências e histórias boas, de crianças muito felizes", garante a médica.

Nove em cada dez mulheres que sabem previamente que o bebé que trazem na barriga tem trissomia 21 optam pela interrupção, diz o estudo do British Medical Journal.

Luis Graça está convicto de que, mesmo com o irremediável aumento da idade materna, a Medicina vai conseguir diagnosticar, cada vez mais precocemente e de um modo cada vez menos invasivo, doenças genéticas nos fetos. "A amniocentese já é 100 por cento fiável. E o rastreio bioquímico evoluiu muito, apesar de cá, na maioria das vezes, ser malfeito. Mas o futuro está aí ao virar da esquina. O trabalho na área do diagnóstico em células fetais presentes no sangue da mãe está em grande evolução. E se é verdade que ainda estamos um pouco longe, talvez dentro de dez anos esteja acessível. Vamos chegar lá."

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