Acabou-se o tempo de Miguel Delibes, a grande referência das letras castelhanas

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A leitura da obra de Miguel Delibes é

O escritor espanhol, autor de Os Santos Inocentes e O Herege, morreu ontem, aos 89 anos, em Valhadolid. Há anos que lutava contra um cancro

O editor espanhol José Manuel Lara tentou muitas vezes que o escritor Miguel Delibes fosse para a sua editora, a Planeta. Ofereceu-lhe adiantamentos, facilidades, mas nunca conseguiu que o autor de Os Santos Inocentes se mudasse para lá e abandonasse a editora Destino, onde publicava desde 1948. Por isso, conta a sua neta Elisa Silió num texto que escreveu para o jornal espanhol El País, quando o grupo editorial Planeta comprou a Destino, José Manuel Lara disse ao escritor: "Miguel, como não há maneira de conseguir ter-te, tive de comprar a editora toda."

O escritor, membro da Real Academia Espanhola, morreu ontem de manhã, aos 89 anos, na sua casa, em Valhadolid, onde nasceu.

A sua ligação à Destino devia-se ao editor Josep Vergés, que acreditou nele quando era um desconhecido, um jornalista e caricaturista no jornal El Norte de Castilla. E fez bem pois aos 27 anos, com o seu primeiro romance, La sombra del ciprés es alargada, Delibes recebeu o prémio Nadal (1947). E depois, ao longo da sua vida, recebeu todos os prémios importantes (Príncipe das Astúrias de Letras, Prémio das Letras de Castela e Leão, Prémio Nacional da Literatura Espanhola e Prémio Cervantes). Faltou-lhe o Nobel.

Há anos que Delibes lutava contra um cancro e nos últimos dias o seu estado de saúde piorou. A leitura da sua obra é imprescindível para se entender a Espanha actual. Consideradopelo El País "a última grande referência das letras castelhanas do século XX" tem editados em Portugal O Caminho (ed. Ulisseia), Os Santos Inocentes (ed. Teorema) e O Herege (ed. Dom Quixote).

A sua obra, com mais de 60 títulos, inclui romances, livros de viagem e diários e reflecte as mudanças vividas por Espanha depois da Guerra Civil (1936-1939). Alguns dos seus livros foram adaptados ao cinema - a interpretação da personagem Azarías pelo actor Paco Rabal, na adaptação de Os Santos Inocentes do realizador Mario Camus, é considerada um dos ícones culturais espanhóis da segunda metade do século XX. "O legado literário de Delibes está atravessado pelo sentimento amoroso, pela desigualdade social e pelo contraste entre a vida no meio rural e na cidade. Atento à fala das gentes do campo, o seu rico e precioso léxico é considerado um dos últimos redutos do castelhano, ainda que o romancista tenha introduzido importantes inovações formais", lê-se no El País. Ángeles de Castro, a mulher do escritor morreu aos 51 anos, em 1974, e anos depois, em 1991, Miguel Delibes, fez-lhe uma homenagem literária em Mujer de rojo sobre fondo gris. Na entrevista que deu ao El País, em 2007, Juan Cruz tentava que falasse sem pudor desse livro. O escritor disse-lhe à despedida: "Ya no me verás nunca mejor de como estoy ahora." Achava que se lhe tinha acabado o tempo.

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