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O Presidente não é a rainha de Inglaterra

Em Portugal, o Presidente da República tem poderes que servem de equilíbrio ao sistema político. É o árbitro que tem poder máximo em momentos de crise

a O Presidente da República em Portugal não é uma rainha de Inglaterra, que nem os próprios discursos escreve. Ainda que o Parlamento português divida o poder legislativo com o Governo e apenas este último tenha poder executivo, a realidade é que o Presidente detém um papel central no sistema político enquanto fiscalizador. Além de lhe caber o papel de agir como árbitro e mediador de conflito e de tensão. E, muitas vezes, o ocupante do cargo tem funcionado como a válvula de escape da democracia.

Os poderes do Presidente são, assim, inúmeros e vão desde o veto político ao direito de enviar os diplomas para fiscalização preventiva ou sucessiva do Tribunal Constitucional, passando pelo direito de demitir o Governo e ainda pela chamada "bomba atómica" do sistema democrático português: a dissolução do Governo. Ainda que optando por um sistema em que o Parlamento é centro do sistema, os construtores da democracia portuguesa, os deputados à Assembleia Constituinte, estabeleceram uma rede de equilíbrios entre o poder executivo e legislativo do Governo, o poder fiscalizador e legislativo da Assembleia e o poder fiscalizador do Presidente, que, em caso de crise política, pode intervir e convocar eleições.

A matriz semipresidencialista do sistema político foi decidida logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 e ficou inscrita na Constituição aprovada em 1976. A decisão e o perfil de poderes foram impostos pelos militares revolucionários, demonstrando que não confiavam inteiramente no poder civil dos partidos então legalizados ou formados. Por outro lado, a necessidade de romper com a ditadura e de criar hábitos e práticas democráticas que demonstrassem essa ruptura. Assim, foi decidido optar por um modelo em que o Presidente não só era a primeira figura do Estado - embora nunca referido constitucionalmente como chefe de Estado, também em oposição ao Estado Novo -, como era eleito pelo voto directo.

A democracia cortava assim com o Presidente decorativo da Primeira República e que Salazar recuperara depois do susto que apanhou em 1958 com a quase eleição directa de Humberto Delgado.

Os poderes do Presidente foram mexidos já por duas vezes desde 1976. A primeirafoi na revisão constitucional de 1982, na qual a vertente militar do regime foi anulada. O Conselho da Revolução foi substituído pelo Tribunal Constitucional e pelo Conselho de Estado, dois novos órgãos de Estado que não têm poder sobre o Presidente, quando este tinha que ficar vinculado em algumas situações ao Conselho da Revolução.

Por outro lado, esta revisão constitucional, que teve como objectivo tornar a democracia portuguesa mais civilista e com um maior peso dos partidos, limitou alguns poderes do Presidente, sem, contudo, os eliminar. Assim, por exemplo, o Governo deixou de responder politicamente perante o Presidente e este tem de justificar a sua decisão de demitir o Governo. Em 1997, a revisão constitucional deu um novo fôlego ao Presidente. A sua eleição passou a contar também com o voto dos emigrantes, o que aumenta a sua legitimidade, e é ao Presidente que compete decidir se convoca ou não o referendo, que entrou na Constituição também nessa altura.

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