Intervenções delicadas

"O Sol morre cedo" é uma exposição assinada por Ana Manso, André Romão, Joana Escoval e Nuno da Luz, quatro nomes de um grupo informal de artistas que, desde 2007, intervém de forma independente no circuito da arte contemporânea portuguesa e cujo percurso pode ser acompanhado em o-declive.blogspot.com (refiram-se os outros membros: Ana Baliza, Bruno Cidra, Gonçalo Sena, Margarida Martins, Mariana Silva e Pedro Neves Marques). Em vez de um colectivo, devemos falar, então, de amigos que colaboram com frequência, editando publicações e organizando conferências e exposições (destas é obrigatório referir o Ciclo "estados-gerais" em 2009). Sempre na tradição do espírito "do-it-yourself".

Ora "O Sol morre cedo", no Pavilhão Branco do Museu da Cidade, é, ainda que "incompleto", o reencontro mais recente deste grupo; um reencontro em que as obras não se limitam a ocupar espaços; nascem com e por causa do espaços. Com efeito, a forma delicada como Ana Manso, André Romão, Joana Escoval e Nuno da Luz perceberam o exterior e o interior do pavilhão constitui um dos aspectos mais sedutores da exposição: há um recato, um pudor nas intervenções.

É possível até, e sem fazer perigar as individualidades presentes, identificar traços comuns nas obras: leveza, diminuição, imaterialidade, ausência de excesso e de ilusão. Uma arte despojada, onde se escutam certos ecos dos anos 80 (portugueses) do século passado? Porventura.

Entretanto, convém sublinhar que os projectos dos quatro artistas denunciam ritmos e desenvolvimentos distintos, facto que aqui e ali "desequilibra" a exposição. Ana Manso (Lisboa 1984) expõe pinturas a óleo e a spray. São telas de grandes dimensões onde se pressente o trabalho do corpo e onde as cores e as linhas deixam sobejar atmosferas, visões, espaços interiores. Uma pintura ainda envolvida na sua própria pesquisa e que embora destituída de figuras é - pelo convocar do corpo - quase "figurativa".

André Romão (Lisboa, 1984), vencedor em 2007 do Prémio EDP, sobrepõe momentos, narrativas e contextos num reconhecimento crítico da natureza trans-histórica da cultura e da literatura clássicas. No vídeo "Tudo dura para sempre", um rapaz lê, enquanto caminha pelo museu, um excerto de "Os Persas", de Ésquilo. O tom é rápido, seco, enquanto a panorâmica revela, reflectida no vidro, a presença de alguém que movimenta a câmara até ao plano final. Nesse momento, depois de o rapaz e a equipa abandonarem a imagem, do outro lado só o dispositivo técnico permanece. Afinal o que vimos? Ou o que podemos ver para lá representação de um texto?

A intervenção de Joana Escoval (Lisboa, 1982) é mais "modesta". O seu trabalho tem-se centrado no desenho e revelado um interesse particular (e raro) por questões ecológicas. No pavilhão, colocou literalmente sobre o chão água e terra. Elementos cuidados, delineados sobre uma superfície, que sendo resultados de um gesto são também desenhos feitos pelo tempo e pelos materiais da natureza.

O tempo e a natureza encontram-se igualmente na peça mais bem conseguida da exposição: a instalação sonora de Nuno da Luz (Lisboa, 1984). Inspirada nas investigações da ecologia acústica do World Soundscape Project, traz para o interior do pavilhão o espaço exterior do museu: sons do vento, da chuva, de animais, de pessoas, gravados pelo artista durante 360 dias. E assim, através do som, volta a fazer do corpo um lugar que ouve.

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