Il Duomo

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HistoriadorA Catedral de Milão, considerada popularmente uma das maiores e mais famosas igrejas do mundo, é um edifício que os historiadores da arte e da arquitectura encararam durante muito tempo com desprezo e uma certa sobranceria. De facto, a catedral, além de ser grande e popular (o que não pode ser coisa boa), não se comportou artisticamente como a história canónica dos estilos manda. Iniciada no final do século XIV em estilo gótico foi vista pelos historiadores modernos como demasiado francesa para a Itália, onde, supostamente, não houve aquele género de gótico mas um gótico menos pontiagudo, quer dizer, mais mediterrânico e mais sossegado.

Ao francesismo inicial, o edifício somou uma evolução igualmente desconcertante. Como todas as catedrais e outros edifícios antigos de grande porte, o Duomo foi sendo construído durante muitas décadas e no final do século XVI ainda não tinha fachada principal nem estava completamente coberto. Ao sugerirem desenhos para a fachada, sucessivos arquitectos e artistas propuseram que se abandonasse o estilo gótico e se fizesse uma fachada em estilo renascentista e no início do século XVII chegou a erguer-se de facto um portal e janelas com molduras clássicas. Este género de solução acontecia por toda a parte na época e a catedral parecia comportar-se enfim como um edifício "normal" dentro da história "normal" dos estilos. Mas nos séculos XVII e XVIII os milaneses que mandavam na obra da catedral, ou seja, os membros da poderosa Fabricca del Duomo, decidiram contra todas as expectativas acabar a obra em estilo gótico. Os historiadores modernos não encararam isto com bons olhos: o gótico estava "ultrapassado" desde o século XVI. O Duomo não passava de uma espécie de aberração regional.

A maior parte dos historiadores já não pensa assim. Já não estamos tolhidos pela ideia de uma sucessão obrigatória de estilos em direcção a sucessivas modernidades. Percebemos agora que o Duomo se constituiu como uma referência muito importante para a identidade própria da cidade de Milão e que isso contou mais que quaisquer modas. Percebemos também que as obras da catedral foram uma escola de gótico para quem nelas trabalhou e para quem as estudou durante toda a Idade Moderna, sobretudo alguns grandes arquitectos barrocos. Percebemos que, em boa medida graças a edifícios como o Duomo, os estilos nunca ficam ultrapassados, que em épocas tardias se faziam e apreciavam edifícios góticos e que o gótico se manteve vivo e de boa saúde até ao século XX.

A verdade é que o Duomo só se tornou plenamente gótico muito tarde, nos séculos XVIII e XIX. Em meados de Setecentos, ainda não existia a agulha com a famosa Madonnina que cobre o cruzeiro nem as dezenas de pináculos agudos que coroam o perímetro da catedral e talvez só essas características arquitectónicas expliquem porque é que o modelo arremessado por Massimo Tartaglia magoou tanto o rosto de Berlusconi: por ser o modelo de um edifício gótico, pontiagudo, teimosamente não-conforme.

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