Administração Pública: depois de um início "a matar", a mobilidade perdeu ritmo

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O Ministério das Finanças tenta colocação no privado Daniel Rocha (arquivo)

Foi há precisamente três anos que a legislação que estabeleceu as regras actuais da mobilidade especial na Administração Pública entrou em vigor. A partir desse momento, qualquer funcionário cujo serviço estivesse em processo de reestruturação passou a poder ser colocado em regime de mobilidade especial, isto é, deixar de desempenhar funções e ficar em casa à espera de ser recolocado, ao mesmo tempo que o seu salário bruto era diminuído progressivamente até dois terços do seu valor total.

Durante o primeiro ano e meio, vários serviços, principalmente do Ministério da Agricultura, usaram este novo regime para diminuir o número de trabalhadores. Durante meses, todas as semanas, surgia mais um anúncio da colocação de dezenas de funcionários em mobilidade, a um ritmo que configurava uma revolução na Administração Pública.

Mas depois, com o plano de reestruturação dos serviços públicos (PRACE) a ficar concluído, com os funcionários afectados a colocarem os seus casos em tribunal, com os ministérios a sentirem falta de pessoal e, finalmente, com novas eleições a aproximarem-se, o entusiasmo do Governo parece ter diminuído.

De acordo com os números disponibilizados ao PÚBLICO pelo Ministério das Finanças, desde o início do processo até agora, foram colocados em Situação de Mobilidade Especial (SME) 3619 funcionários. Mas durante o ano de 2009, apenas 895 novos trabalhadores entraram neste regime, sendo que 530 o fizeram por opção voluntária. Por imposição, só 365 funcionários foram colocados em mobilidade nos últimos onze meses.

Causas para a travagem

Esta tendência é reconhecida pelo Governo. Gonçalo Castilho dos Santos, o secretário de Estado da Administração Pública, assinala "o abrandamento da modalidade de mobilidade especial compulsória, o que se justifica porque cessou o ciclo de reorganização dos serviços no contexto pós-PRACE", mas destaca o aumento das adesões voluntárias, relacionadas especialmente com a obtenção de licenças extraordinárias para trabalhar no sector privado, recebendo ainda uma parte do salário. Este responsável nega ainda a possibilidade dos processos que foram sendo interpostos em tribunal terem prejudicado este mecanismo. "Esses processos de contencioso surgiram sobretudo no primeiro ano do SME e permitiram, quando se justificou, aperfeiçoar procedimentos", diz.

Nos sindicatos, a opinião não é a mesma. "O Governo foi forçado a recuar naquilo que era a intenção de entrar a matar, uma vez que foi confrontado com necessidades de pessoal e com a oposição dos funcionários afectados", afirma Betencourt Picanço, do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, lembrando que "há muitos serviços que colocaram funcionários na mobilidade e agora estão a recrutar pessoal". As queixas relativamente à existência de aleatoriedade na escolha dos funcionários e as dificuldades em recolocá-los são outras das críticas feitas pelos trabalhadores. Betencourt Picanço diz que, "no caso dos funcionários mais qualificados, os problemas são ainda maiores, porque os gestores fazem concursos de admissão, oferecendo salários muito mais baixos". De acordo com os números das Finanças, de todos os funcionários em SME, apenas 390 foram recolocados, ou seja, pouco mais de 10 por cento.

O professor do ISEG Paulo Trigo Pereira, que fez parte da comissão encarregue de desenhar o PRACE, também não esconde a sua desilusão com o processo. "Está bastante abaixo daquilo que se esperava. Os números mostram um grau de mobilidade na Administração Pública que é muito pequeno", afirma. As razões? "Pode ser por causa da forma como foi feita a legislação ou, então, tem mais a ver com a motivação dos agentes em avançar com a mobilidade", diz o economista.

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