A jazzar nos cartoons

O contrabaixista Zé Eduardo teve papel inigualável na pedagogia e divulgação do jazz em Portugal. Fundador da escola de jazz do Hot Clube, esteve presente em diversos momentos-chave do jazz português, como o primeiro disco de jazz editado em Portugal ("Malpertuis", de Rão Kyao, em 1976) ou passagens pelas primeiras edições do Cascais Jazz.

No entanto, a esparsa discografia não reflecte a sua verdadeira relevância como contrabaixista e compositor. Nos últimos anos, tem tentado compensar este facto editando os seus projectos mais recentes, nomeadamente o trio Unit - com os álbuns "A Jazzar no Cinema Português" (2002) e "A Jazzar no Zeca" (2004) - e um quarteto co-liderado com o americano Jack Walrath ("Bad Guys", 2005).

Neste novo disco gravado ao vivo no Convento dos Capuchos, em Almada, o trio de Zé Eduardo transforma temas bem conhecidos (particularmente os genéricos de "cartoons") em originais versões jazz. Desengane-se quem espere encontrar simples "covers" ou interpretações lineares das melodias. A virtude desta música está no metódico trabalho de arranjos, que subverte e transforma cada composição numa música nova. Temas como "Abelha Maia", "Dartacão" ou "Noddy" (curiosas escolhas) são alguns dos temas em causa, mas Zé Eduardo vai adiando ao ouvinte o prazer de reconhecer as melodias, que apenas surgem a espaços, fruto de complexo processo de reinvenção. Além destas, o trio adultera também composições mais "sérias", como o revolucionário "Grândola" ou a emotiva "Balada da Rita" (Sérgio Godinho). Jesus Santandreu (saxofone) e Bruno Pedroso (bateria) são óptimos parceiros para o contrabaixista, conseguindo um bom envolvimento, perfeitos a responder aos tempos específicos de cada tema.

O trio de Zé Eduardo desenvolve uma música eminentemente angulosa, mas capaz de depressa estabelecer uma relação de familiaridade com o ouvinte, e possuindo ainda um raro - e muito apreciável - sentido de humor.

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