Sabão azul e branco

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gripe A reintroduziu o sabão azul e branco lá em casa. Uma tripla conjugação de elementos - o vírus H1N1, o zelo da ministra da Saúde e o bom senso da minha mulher - trouxe de volta este ícone da história sanitária da humanidade, que eu não usava há décadas. Na altura, o sabão era castanho e chamava-se "de pedra". Não dava pedra nenhuma, mas lavava muito bem. Servia sobretudo para a roupa, de modo que a minha mãe, por coerência com a finalidade original, punha os filhos todos no tanque e utilizava o dito saponáceo para a remoção do grude epidérmico que nos ornamentava ao final do dia. Havia também o sabão de coco, magnífico para o cabelo mas manifestamente indigesto, a despeito da fome despertada pelo seu odor alimentar.

Em diferente versão cromática, o sabão azul e branco agora está de volta. Ana Jorge, a ministra, diz que é adequado para manter as mãos livres do H1N1. Minha mulher, poupada, diz que é muito mais barato do que a concorrência. E eu digo que, por várias razões, é um produto amigo do ambiente.

O sabão é um fruto pioneiro da reciclagem. Nos anais da história - ou seja, na Wikipédia -, consta a lenda de que a palavra em si vem do Monte Sapo, um topónimo mítico algures na Roma antiga. Ali, animais eram sacrificados e queimados, em favor de divindades certamente amantes de um bom churrasco. A gordura dos bichos escorria pelas encostas, misturada com cinzas e argila, até atingir uma ribeira. Na essência, era uma grande porcaria, um clássico episódio de poluição, ainda muito em voga nos dias de hoje.

Foi então que as lavadeiras descobriram que aquela mistela era uma beleza para a roupa, deixando o branco mais branco. Foi então, a partir deste lendário momento fundador, que o sabão vingou como um dos primeiros subprodutos do reaproveitamento de resíduos.

Mais do que isso, a sua fabricação instituiu um milagre tecnológico, ao operar uma transformação substantiva na qualidade da matéria-prima, que passa de repugnante a purificadora.

Em outro domínio, o sabão azul e branco contribui para a redução do lixo doméstico. Cheguei a esta conclusão logo que a minha mulher tirou do saco de compras uma barra de sabão, com uns 20 centímetros de comprimento. Ao invés de uma embalagem deitada fora para cada sabonete que se compra avulso, vai-se cortando a barra à medida das necessidades. Usei a faca do pão, poupando desta vez em detergente para a louça, já que o talher foi lavado com o mesmo produto que o sujou.

Apesar dos seus evidentes benefícios ambientais, o sabão azul e branco provocou uma certa tensão familiar. Perturbou, por exemplo, o sensível olfacto de alguns, que se recusam a usar o produto. O argumento é inamovível: "Cheira muito mal." Para contorná-lo, seria preciso lavar as mãos duas vezes: uma para matar o vírus, outra para consolar as narinas. Naturalmente, o resultado não se coadunaria com os dogmas de uma casa ecológica, onde o desperdício inútil de uma gota de água ascende ao estatuto de pecado capital.

Abriu-se então o espaço às negociações - um elemento normalmente negligenciado na busca do desenvolvimento sustentável. Toda a gente acha que, se uma solução é favorável ao planeta, então todos a adoptam imediatamente. Não, é preciso negociar, e a família é o microcosmo mais evidente desta necessidade.

Como resultado final, há agora dois sabonetes na casa de banho - um azul e branco, outro aromático. A redução material ficou-se pela metade. Mas pelo menos já não há desculpa para faltar ao banho.aJornalista

rgarcia@publico.pt

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