Torne-se perito

Irene Pimentel

Para o bem
e para o mal, Salazar vende

A historiadora Irene Flunser Pimentel, Prémio Pessoa e autora de A História da PIDE sublinha que nun ca pode falata contextualização quando se envereda pelo relato da intimidade de ditadoresUm retrato da intimidade de Salazar foca o lado humano do ditador. Quais são os pontos sensíveis destas abordagens?
É uma questão muito interessante e que já aconteceu com Hitler, por exemplo, com o filme A Queda [de Oliver Hirschbiegel, 2004). Havia quem pensasse que se estava a humanizar a personagem, mas temos sempre de partir do princípio de que essas figuras são humanas. É um drama com que lidamos [os historiadores] quando tratamos de ditadores e pessoas a quem por vezes é mais fácil chamar apenas "monstros". Relativamente a enveredar pela intimidade ou mesmo pelas histórias de alcova dos ditadores, não acho que seja completamente negativo. O importante é que esteja contextualizado. Tem de haver qualquer coisa [na série] que não permita esquecer a sua responsabilidade pela ditadura que durou tantos anos e que teve os efeitos que ainda vemos no país. Como não há muitas fontes para saber da sua vida privada, porque ele próprio a colocou no maior dos secretismos, dizendo mesmo que não a tinha, o maior medo é que haja muita especulação. Mas é legítimo que seja abordada.
Desde o programa Grandes Portugueses (RTP), que funcionou como uma espécie de concurso de popularidade histórica, o fascínio por Salazar não parece parar de crescer...
Esta figura traz um certo fascínio, que advém do poder que teve e que perdura na nossa sociedade, mas também pelo mistério que criou em torno da sua figura. É um mito criado por ele e muito bem propagandeado. De certa forma, ele está a ter uma vitória a posteriori..
A televisão e os livros encontraram um novo mercado em torno da figura de António de Oliveira Salazar?
Um colega meu dizia há dias que neste momento a figura de Salazar é tão importante [comercialmente] quanto a de [Álvaro] Cunhal, por exemplo. Eu acho que Salazar ultrapassa todas as outras figuras em termos de curiosidade. Basta ir a uma livraria. As editoras aperceberam-se de que isto é vendável e as televisões também. Para o bem e para o mal. Por um lado, isso mostra que há um relativo interesse pela história recente, o que é bom, mas isso pode ser negativo se for feito sem critério nem escrutínio.. J.A.C.

Sugerir correcção