De excepção em excepção, anula-se o ordenamento

Iniciativa de “alto” risco é PIN no ano seguinte

O empreendimento turístico Verdelago, juntamente com Vale do Lobo III e Vilamoura XXI, foi um dos três projectos que beneficiaram de uma medida de "excepção" às regras definidas no Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (Protal). Um despacho conjunto de dois ministros de Cavaco Silva, em 1994, em vésperas de cessarem funções, abriu uma janela no Protal, permitindo a construção desses projectos, chamados de "estruturantes", pelo impacto positivo que teriam na economia.

Mas não avançaram de imediato. Ao fim de sete anos, o projecto foi desbloqueado quando José Sócrates ocupava o cargo de ministro do Ambiente. O plano de pormenor do Verdelago foi ratificado em Conselho de Ministros, a 17 de Janeiro de 2001, depois de ter sido sujeito a Avaliação de Impacto Ambiental. A proposta de investir nesta zona verde, onde as copas dos pinheiros quase se tocavam, vem desde a década de 1970, quando o terreno foi adquirido por um finlandês por dez milhões de euros.

O Scandinavian Bank, em 1991, chamou a si o projecto, que, por dificuldade em compatibilizar os interesses imobiliários com os valores da natureza, caiu num impasse. É nessa altura, diz o presidente da Câmara de Castro de Marim, José Estevens, citado pelo Diário de Notícias, em 2005, que o grupo de Luís Filipe Vieira, numa "iniciativa de alto risco", compra o terreno aos finlandeses. No ano seguinte recebe o carimbo de PIN.

Além deste aldeamento com 2041 camas, no concelho de Castro Marim estão ainda previstos mais três projectos de PIN: Almada de Ouro (hotel, aldeamento e campo de golfe, 2800 camas); Quinta do Vale (aldeamento, campo de golfe e marina, 2500), e Corte Velho (hotel, aldeamentos e campo de golfe, 2300 camas).
IR.

Algarve: pinhal já está a ser abatido para construir duas mil camas junto à praia Verde

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O betão avança sobre mais uma mancha de pinhal no litoral do Algarve Virgílio Rodrigues

Centenas de árvores foram cortadas no pinhal do Gancho, entre Altura e Monte Gordo, para dar lugar a mais um projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN), com 2041 camas e campo de golfe. Os ambientalistas clamam contra mais um "crime anunciado". O promotor é Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, que obteve do Ministério do Ambiente o reconhecimento de "interesse público" para um projecto que esteve mais de duas décadas adormecido.

O empreendimento Verdelago desenvolve-se em 94 hectares, desde a EN 125 até ao mar, junto à praia Verde. A devastação do pinhal já começou, o avanço do betão em direcção ao mar está para breve. "O património ambiental do Algarve foi mais uma vez palco de um crime anunciado há muito", diz Luís Brás, dirigente da associação Almargem, lembrando que só para o concelho de Castro Marim, por via dos PIN, estão previstas quase mais dez mil camas turísticas. A população residente anda pelos sete mil habitantes.

Do outro lado do Guadiana, na margem espanhola, cerca de 20 mil camas, em promoção, esperam que a crise passe, e os investidores apareçam. Para atrair clientes, as agências chamam àquela zona de Ayamonte "Algarve espanhol", mas o mercado não reage. Agora, a Associação dos Amigos da Mata e do Ambiente de Vila Real de St.º António, ao ver nascer o Verdelago, veio lembrar que é preciso tomar "consciência" e não repetir erros do passado.

Nesse sentido, denunciou o abate de centenas de pinheiros junto à praia Verde - uma das maiores manchas verdes do litoral do Sotavento algarvio que já desapareceu. A denúncia desta associação não deverá ter grandes resultados práticos. "Pouco há a salvar. O mal está feito", admitem. No entanto, pretendem chamar a atenção para aquilo que "está em jogo": "O bem-estar e a qualidade de vida das comunidades locais ou o lucro e os privilégios de uns quantos." Luís Brás lamenta que, segundo o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, os pinheiros "não estão protegidos pela directiva Habitats".

Bruxelas não acolheu queixa

Os promotores acenam com um investimento de 60 milhões e a criação de cerca de 600 postos de trabalho directos e indirectos. O Verdelago, diz a Almargem, "é apenas um exemplo do rol de projectos que um pouco por todo o Algarve há muito esperavam a sua vez para aparecer". Actualmente, em tempo de retracção dos investimentos, "com o beneplácito do poder central e com regozijo de algum poder local, preparam-se para delapidar mais uma parte do património natural". No caso deste empreendimento, promovido pelo grupo Inland - Promoção Imobiliária, presidido por Luís Filipe Vieira, prevê-se a construção de um hotel com 197 quartos, um campo de golfe e um aldeamento turístico (moradias geminadas e isoladas), num total de mais de duas mil camas.

A Almargem, na fase de maior contestação pública ao projecto, apresentou à Comissão Europeia uma queixa contra o Estado português, alegando a violação do direito comunitário, por poderem vir a ser afectados vários habitats protegidos naquela zona, nomeadamente à volta dos charcos na propriedade. A reclamação não teve provimento. Uma parte do terreno, cerca de um terço no troço litoral, também fica incluída do Plano de Ordenamento da Orla Costeira. Porém, a avaliação dos estudos de impacto ambiental veio a concluir que era possível construir o campo de golfe e as moradias sem interferir com a vida natural à volta dos charcos. Essas zonas húmidas, ironiza Luís Brás, "acabarão por ser o lastro dos jardins das moradias".

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