A Fábrica de Pompeia

Ainda em São Paulo, no Brasil, passei uma manhã inteira na Sesc-Fábrica de Pompeia, a lendária Cidadela que a arquitecta italiana Lina Bo Bardi construiu naquela cidade no fim dos anos 70. Lina recriou num antigo complexo industrial um novo espaço cultural, artístico e desportivo onde ainda hoje todas as gerações se cruzam e encontram. Velhos e novos, como dizia a própria arquitecta, que partiu de um espaço muito difícil e já muito definido que existia à volta do ribeiro da Água Preta. Lina Bo Bardi nasceu em Roma em 1914 e foi viver para S.Paulo quando casou, em 1946. Morou nesta cidade até 1992, o ano em que morreu, e deixou uma obra radicalmente expressiva. Autora do Museu de Arte de S.Paulo, a grande obra de referência dos anos sessenta, também fez a Sesc-Fábrica de Pompeia, que é um ícone cultural e recreativo da cidade.
Sesc é a abreviatura de Serviço Social do Comércio e era a antiga fábrica de tambores dos Irmãos Mauser. Lina transformou este enorme espaço industrial numa Factory à la Warhol, adaptado à realidade artística da época e dizia que a construção da Fábrica e a sua vivência foi "uma verdadeira experiência socialista". Percebe-se que sim, que foi certamente essa a experiência vivida. Quem trabalhou com Lina durante os nove anos que durou a obra garante que eram "uma grande orquestra afinada, regida por um grande maestro".
Desde que foi inaugurada até hoje esta Fábrica de artes, desportos e ofícios nunca mais parou de fabricar arte, desportistas e artistas.
Existe entre os edifícios um canal que não chega a ser um rio (o dito ribeiro da Água Preta) que atravessa o recinto. Este ribeiro serviu de tema à construção de dois novos corpos que marcam o complexo e a identidade muito própria deste espaço cultural e recreativo que continua a ser um lugar único no mundo.
Lina cobriu o canal com um estrado de pranchas de madeira que fazem lembrar um longo deck de navio, onde as pessoas passeiam mas também se estendem a apanhar sol em bikini e fato de banho (os paulistas chamam a este deck a Avenida da Praia) e no extremo do canal ergueu uma torre de água muito alta mais um edifício composto por dois corpos onde existem múltiplas salas e pavilhões desportivos (sobrepostos de forma inédita em 12 pisos). Nestes pavilhões treinam todos os dias nuvens de crianças, jovens e adultos, coisa que faz deste lugar um ponto de encontro de gerações e, ao mesmo tempo, um centro cultural e desportivo onde se apuram talentos e todos os dias se melhoram performances.
Voltando ao lado arquitectónico, neste extraordinário projecto existem mangas de betão que criam laços entre os dois corpos construídos. Lina Bo Bardi procurou sempre a simetria num exercício criativo e nunca repetido de estabelecer pontos de entrada e saída sistematicamente simétricos mas nunca sobrepostos. Ou seja, todas as entradas e saídas do edifício estão desencontradas mas são milimetricamente simétricas. É difícil explicar mas é uma festa olhar e perceber este exercício de arquitectura. É como se estas mangas de betão dançassem no ar, num encontro e desencontro perpétuo, pontuado por janelas e buracos onde as nuvens assumem contornos muito parecidos com as nuvens dos quadros de Magritte. Aliás os buracos de aspecto primitivo que se vêm nas paredes de toda a construção também são um acontecimento pois Lina Bo Bardi tinha tanta repugnância pelos sistemas eléctricos de ar condicionado como por carpetes (como ela própria dizia) e optou por refrigerar o edifício fazendo enormes buracos nas paredes, como se fossem entradas de cavernas. Estes buracos vêm-se nas fachadas (alçados?!) de lado e continuam a funcionar sem vidros, seja Verão ou Inverno.
Neste imenso espaço cultural e recreativo acontece tudo ao mesmo tempo e é fascinante percorrer os caminhos que nos levam pelas salas de exposição, ateliers, oficinas, estúdios, pavilhões desportivos, biblioteca, bares, esplanadas e espaços abertos onde o movimento das pessoas é tão intenso como natural. Os paulistas frequentam, habitam, constroem, criam e recriam esta imensa Fábrica diariamente.
Berenice, a ascençorista que passa os seus dias abrir e fechar as portas de elevador e vive enfiada naquela caixa metálica sem janelas que sobe e desce mil vezes ao dia, sorri quando lhe pergunto se gosta do que faz.
- Sou muito feliz aqui, sim. Adoro o que faço todos os dias!
Acredito porque fala com voz cantada e marca todas as palavras com sincero entusiasmo.
Bandos de adolescentes e crianças sobem e descem as escadas de ferro encarnadas, em caracol, enquanto os mais velhos esperam pacientemente que Berenice os venha apanhar ou deixar no piso zero. Todos lhe acenam e todos lhe perguntam invariavelmente como está. Ela devolve os acenos e ri. E isso basta para perceber que apesar de trabalhar dentro de uma caixa metálica sem janelas, que sobe e desce incessantemente ao longo dos 12 andares do edifício, também ela se sente feliz por pertencer a esta imensa Fábrica onde todos se sentem verdadeiramente em casa.

A Fábrica de Pompeia

Ainda em São Paulo, no Brasil, passei uma manhã inteira na Sesc-Fábrica de Pompeia, a lendária Cidadela que a arquitecta italiana Lina Bo Bardi construiu naquela cidade no fim dos anos 70. Lina recriou num antigo complexo industrial um novo espaço cultural, artístico e desportivo onde ainda hoje todas as gerações se cruzam e encontram.Velhos e novos, como dizia a própria arquitecta, que partiu de um espaço muito difícil e já muito definido que existia à volta do ribeiro da Água Preta. Lina Bo Bardi nasceu em Roma em 1914 e foi viver para S.Paulo quando casou, em 1946. Morou nesta cidade até 1992, o ano em que morreu, e deixou uma obra radicalmente expressiva. Autora do Museu de Arte de S.Paulo, a grande obra de referência dos anos sessenta, também fez a Sesc-Fábrica de Pompeia, que é um ícone cultural e recreativo da cidade.
Sesc é a abreviatura de Serviço Social do Comércio e era a antiga fábrica de tambores dos Irmãos Mauser. Lina transformou este enorme espaço industrial numa Factory à la Warhol, adaptado à realidade artística da época e dizia que a construção da Fábrica e a sua vivência foi "uma verdadeira experiência socialista". Percebe-se que sim, que foi certamente essa a experiência vivida. Quem trabalhou com Lina durante os nove anos que durou a obra garante que eram "uma grande orquestra afinada, regida por um grande maestro".
Desde que foi inaugurada até hoje esta Fábrica de artes, desportos e ofícios nunca mais parou de fabricar arte, desportistas e artistas.
Existe entre os edifícios um canal que não chega a ser um rio (o dito ribeiro da Água Preta) que atravessa o recinto. Este ribeiro serviu de tema à construção de dois novos corpos que marcam o complexo e a identidade muito própria deste espaço cultural e recreativo que continua a ser um lugar único no mundo.
Lina cobriu o canal com um estrado de pranchas de madeira que fazem lembrar um longo deck de navio, onde as pessoas passeiam mas também se estendem a apanhar sol em bikini e fato de banho (os paulistas chamam a este deck a Avenida da Praia) e no extremo do canal ergueu uma torre de água muito alta mais um edifício composto por dois corpos onde existem múltiplas salas e pavilhões desportivos (sobrepostos de forma inédita em 12 pisos). Nestes pavilhões treinam todos os dias nuvens de crianças, jovens e adultos, coisa que faz deste lugar um ponto de encontro de gerações e, ao mesmo tempo, um centro cultural e desportivo onde se apuram talentos e todos os dias se melhoram performances.
Voltando ao lado arquitectónico, neste extraordinário projecto existem mangas de betão que criam laços entre os dois corpos construídos. Lina Bo Bardi procurou sempre a simetria num exercício criativo e nunca repetido de estabelecer pontos de entrada e saída sistematicamente simétricos mas nunca sobrepostos. Ou seja, todas as entradas e saídas do edifício estão desencontradas mas são milimetricamente simétricas. É difícil explicar mas é uma festa olhar e perceber este exercício de arquitectura. É como se estas mangas de betão dançassem no ar, num encontro e desencontro perpétuo, pontuado por janelas e buracos onde as nuvens assumem contornos muito parecidos com as nuvens dos quadros de Magritte. Aliás os buracos de aspecto primitivo que se vêm nas paredes de toda a construção também são um acontecimento pois Lina Bo Bardi tinha tanta repugnância pelos sistemas eléctricos de ar condicionado como por carpetes (como ela própria dizia) e optou por refrigerar o edifício fazendo enormes buracos nas paredes, como se fossem entradas de cavernas. Estes buracos vêm-se nas fachadas (alçados?!) de lado e continuam a funcionar sem vidros, seja Verão ou Inverno.
Neste imenso espaço cultural e recreativo acontece tudo ao mesmo tempo e é fascinante percorrer os caminhos que nos levam pelas salas de exposição, ateliers, oficinas, estúdios, pavilhões desportivos, biblioteca, bares, esplanadas e espaços abertos onde o movimento das pessoas é tão intenso como natural. Os paulistas frequentam, habitam, constroem, criam e recriam esta imensa Fábrica diariamente.
Berenice, a ascençorista que passa os seus dias abrir e fechar as portas de elevador e vive enfiada naquela caixa metálica sem janelas que sobe e desce mil vezes ao dia, sorri quando lhe pergunto se gosta do que faz.
- Sou muito feliz aqui, sim. Adoro o que faço todos os dias!
Acredito porque fala com voz cantada e marca todas as palavras com sincero entusiasmo.
Bandos de adolescentes e crianças sobem e descem as escadas de ferro encarnadas, em caracol, enquanto os mais velhos esperam pacientemente que Berenice os venha apanhar ou deixar no piso zero. Todos lhe acenam e todos lhe perguntam invariavelmente como está. Ela devolve os acenos e ri. E isso basta para perceber que apesar de trabalhar dentro de uma caixa metálica sem janelas, que sobe e desce incessantemente ao longo dos 12 andares do edifício, também ela se sente feliz por pertencer a esta imensa Fábrica onde todos se sentem verdadeiramente em casa.

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