Indiana Jones voltou 19 anos depois da última aventura

É a pergunta que todos fazem: que sentido faz Indiana Jones no século XXI? Um bálsamo para o cinema
de aventura ou um anacronismo?

a Eles - Indiana Jones, Steven Spielberg, George Lucas - foram os culpados. Encontraram a arca perdida em 1981, abriram-na, fez-se luz no mundo e tudo isso, mas houve danos colaterais que se fizeram sentir quando da arca começaram a sair também, nas décadas que se seguiram, a Múmia, Lara Croft, Harry Potter, Jack Sparrow, Jason Bourne e outras versões corrompidas pela obsessão da velocidade de uma montanha-russa, pelos jogos de computador e pelos efeitos digitais. É pedir demasiado, mas há quem espere, por isso, de Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, com estreia mundial no Festival de Cannes no dia 18, que regresse ao artesanato perdido. Estreia no dia 22 nos ecrãs de todo o mundo (nesse dia, só nos EUA, serão 4000 salas). Indiana Jones and the Savior of a Lost Art, o "salvador de uma arte perdida", era o título, há dias, de um artigo do New York Times. Querendo acreditar que Spielberg é homem para a tarefa, agarrava-se, como prova, a todas as palavras do realizador.
Por exemplo: Spielberg disse ao jornal, ao telefone do estúdio de misturas de som do filme, que estava "a divertir-se à brava". Não era esse, afinal, o espírito, autêntico, do último herói carismático do cinema americano, o professor de arqueologia com chicote que se chamou Indiana em homenagem ao cão de George Lucas, o homem que nos anos 70 inventou a figura inspirando-se nos velhos filmes de aventura dos anos 30 que via na TV?
Por exemplo: Spielberg, de 61 anos, precisou que voltou ao burlesco de Chaplin e Keaton, estudou-o e à forma como Charlie e Buster não precisaram de fazer grandes acrobacias de circo para conseguir do espectador a suspensão da descrença. "Nos meus filmes nunca há montagem frenética, como existe hoje na maior parte dos filmes de acção. Não me interpretem mal, alguma dessa montagem rápida, como em The Bourne Ultimatum, é fantástica, fico sem fôlego. Mas para conseguir o tom de comédia que quero para os meus filmes da série Indy é preciso ser antiquado" - palavras, sentidas como um bálsamo, do realizador, que adiantou que convenceu o seu director de fotografia dos últimos filmes, Janusz Kaminski, a suspender as modernices e a aprender com o estilo do - hoje retirado - director de fotografia de Indiana Jones e os Salteadores da Arca Perdida (1981), Indiana Jones e o Templo Perdido (1984) e Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), um senhor chamado Douglas Slocombe.
Vamos colaborar com a fé do New York Times: na revista Total Film, o produtor Frank Marshall desvenda que o regresso de Indiana Jones, 19 anos depois da última aventura, se faz olhando de forma desassombrada para o legado do passado. "Como é que nos colocamos no mercado, hoje? Basicamente dizendo: "Somos o original. Este é que é o tipo"" - isto ser dito por Marshall é significativo, foi este o homem que produziu uma das franchises filmadas com o actual state of the art, os filmes da série Bourne de que aqui já se falou.
Vilões russos
Todos fazem figas para este regresso de Lucas e Spielberg a uma trilogia que há 19 anos deram por encerrada quando filmaram Harrison Ford e Sean Connery, Indiana e o pai, cavalgando em direcção ao pôr do sol. Do que se sabe sobre Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, que Lucas vem forçando há uma década, tentando convencer Steven e Harrison (hoje com 65 anos) de que tinha em mãos a ideia certa e pondo em marcha um carrossel de argumentistas para a desenvolver (a versão final é de David Koepp), é que a acção se passa nos anos 1950. Como tal, o tom da aventura é o da ficção científica de série B dessa década que era produto da guerra fria. Os vilões agora não são nazis (Spielberg disse à revista Vanity Fair que, de qualquer forma, depois de A Lista de Schindler não seria capaz de brincar com nazis), mas russos. Liderados por Cate Blanchet, que se chama Irina Spalko, modos de dominatrix - a actriz terá agarrado de tal forma a sua composição, como sempre o faz, aliás, como um tubarão, que Spielberg já anuncia que é o seu vilão favorito em todos os filmes da série.
Regressa Karen Allen, a rapariga que dava gritos no primeiro filme, e suspeita-se que o rapaz que anda por Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull - interpretado por Shia LaBeouf - é filho dela e de Indiana. Mas só vendo. Sendo certo que entre um Indiana envelhecido e o jovem Mutt (Shia) se joga, de forma invertida, a picardia e cumplicidade que se jogava entre Indiana e o pai (Sean Connery) no filme de há 19 anos - todos dizem que foi o assumir do envelhecimento do herói que convenceram Harrison Ford e Spielberg a regressarem.
É claro que Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull pode ser uma miragem anacrónica no horizonte da aventura do século XXI...

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