Casa das borboletas do Jardim Botânico muda-se para a Internet

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A borboleta-monarca é uma das espécies que se pode ver no Lagartagis Rui Gaudêncio

Há um espaço no Jardim Botânico de Lisboa que não se paga para entrar e está à mão de semear em qualquer ecrã do mundo. Tem um fundo branco, folhas e podem ver-se transformações que podiam aparecer na BBC Vida Selvagem, no National Geographic ou nos Ficheiros Secretos (para os mais impressionáveis). Muitas vezes a emoção fica ao nível do Baby TV com a carga hipnotizante de ser em directo. Mas quem quiser mais acção pode aceder a vídeos com lagartas a passarem a crisálidas, lagartas a alimentarem-se, borboletas a saírem de crisálidas, borboletas a reproduzirem-se.

Um laboratório vivo

A câmara que grava as Borboletas na Web está instalada num cubículo do laboratório que serve o Lagartagis, o zoo de borboletas mediterrânicas que pode ser visitado no Jardim Botânico de Lisboa. Desde 22 de Maio, o Dia da Terra, que as borboletas estão online num esforço colectivo entre a equipa Lagartagis, a FCCN (Fundação para a Computação Científica Nacional) e o PÚBLICO. Diariamente, conforme a escolha das biólogas do Lagartagis, é possível assistir a pedaços da vida das borboletas, “os bons representantes dos insectos”, diz Ana Sofia Leitão, uma das biólogas que acompanha o projecto.


Na morada http://publico.pt/borboletasnaweb transparece a mesma sensação que se tem quando se visita o Lagartagis, caminhar num laboratório vivo. O espaço, com 220 metros quadrados, está protegido por uma rede verde que impede incursões de outros bichos sem criar um ambiente especial, já que o que se quer mostrar às pessoas “são espécies comuns da nossa fauna e as condições ambientais são aquelas que existem durante o ano”, diz Eva Monteiro, também bióloga.

Vários canteiros com plantas diferentes formam o jardim. Cada planta está programada para ser o alimento de uma das 24 lagartas de borboletas que o jardim foi pensado para ter. Neste momento o laboratório tem dez espécies de Lepidoptera (a Ordem de insectos a que pertence as borboletas). “Não é fácil criar as nossas borboletas, as tropicais sim”, explica Sofia Leitão. A borboleta-monarca, Danaus plexippus, e a borboleta-da-couve, Pieris brassicae, conseguem passar todo o ciclo de vida no Lagartagis, mas existem muitas outras espécies que têm de ser apanhadas regularmente no campo.

O laboratório, com cerca de 20 metros quadrados, é indispensável para manter o jardim vivo. Na parede de vidro que dá para o jardim vêem-se várias filas de crisálidas de espécies diferentes que estão estáticas por fora, mas que sofrem transformações por dentro. Às vezes, uma destas crisálidas é posta à frente da câmara quando a borboleta está quase a irromper.

Há pouco tempo foi a eclosão de uma monarca. “As pessoas conseguem ver o primeiro momento em que a monarca sai da crisálida e começa a bombear a hemolinfa ["sangue" dos insectos] para as asas. Via-se mesmo o abdómen a contrair e a bombear o líquido”, descreve Sofia Leitão. “E isso é maravilhoso!”, conclui com um tom de voz diferente e um brilho dos olhos.

Mas a microcâmara também é uma grande oportunidade para a investigação. No Lagartagis acompanha-se a par e passo o ciclo de vida de várias espécies. As gravações vão ajudar: “vamos ficar com registos que se calhar não tínhamos oportunidade de ver, dado o volume do trabalho e a lentidão das mudas das borboletas”, diz Eva.

A investigação científica é uma componente importante de todo o projecto, mas não está separada da educação. “Queremos fazer uma ponte entre a investigação e a divulgação ao grande público”, promete Eva. “Os artigos científicos são muito importantes mas ficam restritos a um grupo, a informação não é passada à população e também queremos mudar isso.”

E no que toca às borboletas trabalho não falta. Actualmente não existe sequer um atlas geográfico destes insectos em Portugal. Sem isso, não se sabe qual é a distribuição de cada espécie. Mais importante, ninguém pode afirmar quais são as borboletas que estão em declínio porque não existe um historial das espécies.

Voluntariado para a monitorização

Para inverter esta situação, a Tagis, o Centro de Conservação de Borboletas de Portugal que está por trás do projecto do Lagartagis, iniciou este ano o Plano de Monitorização de Borboletas em Portugal. O objectivo é obter uma informação compreensiva da distribuição e do estado das espécies em zonas delimitadas e ao longo dos anos.


Assim, desenha-se percursos pelo país fora, os chamados transectos, que irão ser visitados quinzenalmente de Maio até Setembro para obter esses dados. Ernestino Maravalhas, vice-presidente da Tagis acredita que o projecto tem potencial: “em Portugal, temos verificado em todas as acções que fazemos que há uma grande necessidade das pessoas saírem do laboratório e irem para o terreno”.

Este tipo de monitorização baseado no voluntariado é uma prática que já acontece na Inglaterra onde “há uma rede de voluntários que faz sempre os mesmos transectos e consegue-se perceber mais ou menos a distribuição das borboletas”, explica Sofia. A Tagis quer utilizar a mesma energia cá, apesar de as culturas serem diferentes. “Na Inglaterra as pessoas conhecem, participam e comprometem-se, no fundo é isso que é o voluntariado”, refere Eva.

O plano está integrado na rede europeia de parceiros, coordenado pelo Butterfly Conservation Europe. Ernestino defende que o sítio das Borboletas na Web é um bom local para acumular e dispor estas informações. “Falta ali uma pequena base de dados de todas as espécies de Portugal. Com fotografias, informação e a distribuição geográfica”, diz.

Borboletas digitais num jardim real

Para Ernestino o projecto das Borboletas na Web é uma ideia inovadora, “permite que as pessoas estejam em locais muito distantes e possam ver o que está a acontecer num laboratório de borboletas”. Mas para quem pode dar um pulo ao Lagartagis terá oportunidade de ver estes insectos no seu ambiente natural.


“Este jardim precisa de manutenção todos os dias”, diz Luís Carvalho, jardineiro e o homem dos sete instrumentos do Lagartagis. Todos os dias é necessário tirar os piolhos das plantas, retirar os mosquitos, as aranhas e as teias de aranhas. As plantas que são comidas pelas lagartas têm que ser repostas, “o algodoeiro falso [que é o alimento da lagarta da monarca] é trocado três ou quatro vezes por ano”, revela Luís.

Existem actividades ligadas à manutenção diária que são incluídas nos ateliês para as crianças. Todos os anos existe um ateliê diferente, cujo conteúdo é adaptado às idades. Este ano decorre o “Quem come quem”, onde se explica as várias relações alimentares entre as plantas e os animais. Uma das actividades que os alunos fazem é procurar outros insectos que estejam a utilizar o jardim como casa e deitá-los fora.

No jardim, a bata azul-escura vestida por todos os alunos do primeiro ano do externato Cinderela não impede que David se destaque. Está sempre com a mão no ar. “Primeiro transformam-se em lagartas depois fazem casulos depois vêm as borboletas põem os ovos e morrem”, explica, descrevendo o ciclo de vida das borboletas numa única respiração. O conhecimento é o que trouxe de uma visita anterior ao Lagartagis.

O centro também quer que a educação chegue à Internet. “Temos a ideia de começarmos a dar aulas online pelo Skype. Durante uma hora, com câmara, quem quiser no mundo sabe que nós estamos ali e pode fazer perguntas”, diz Eva. Os alvos serão as crianças do primeiro e segundo ciclo.

A preocupação com a vertente educacional é justificada. As borboletas são indicadores da biodiversidade, dão-nos sinais do impacto do aquecimento global, polinizam as plantas, são a base de alimentação de muitos animais e são uma boa forma de entrar no mundo dos insectos que repugna muita gente.

Mas quando se pergunta a Sofia Leitão por que é que as borboletas são importantes, a resposta da bióloga surge de forma espontânea: “é porque são bonitas!”.

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