Ai! Que horror! O Martim Moniz

a Há uma semana, neste jornal, foram divulgados os resultados de uma eleição - a que se atribuiu a designação "Os Sete Horrores de Portugal" - a partir de votação efectuada por leitores, baseados numa lista feita por arquitectos, críticos de arquitectura e urbanistas. No conjunto do país, a Praça Martim Moniz foi a mais penalizada. A praça foi escolhida como um dos horrores, tal como os Centros comerciais Martim Moniz e Mouraria, que a flanqueiam. Não é preciso recorrer a nenhum estudo científico para ter a certeza que, numa escolha de âmbito mais global, os resultados não seriam muito diferentes. Parece existir consenso nacional acerca do assunto.
Tornou-se vulgar desprezar a sua arquitectura, dominada por três construções, que arruinariam a visão das colinas circundantes, impedindo a visão de uma Lisboa romantizada e medieval.
Permitam-me discordar. Não me parece que seja uma praça esteticamente harmoniosa. Também não fico comovido com o seu suposto cosmopolitismo, pelo facto de ser espaço privilegiado de atracção de novos imigrantes. É, convenhamos, um cosmopolitismo remediado. Ou por outra, é o que é, como o país. Não é um cosmopolitismo sofisticado, para satisfazer o gosto ocidental pelo exótico, como acontece noutras latitudes.
Mas tem um grande trunfo. Vida. Ao contrário do que acontece noutras zonas da cidade, a Praça Martim Moniz é vivida. Pode não ser experimentada da forma que as novas classes urbanas idealizam - quem projectou para ali os centros comerciais não estava à espera que fossem reapropriados daquela forma. Mas ao menos foram recriados e por ali circulam afectos e tensões. Vive-se, realmente. Coisa rara numa cidade apagada.
Basta comparar com as praças vizinhas do Rossio e da Figueira. São mais nobres, luxuosas até, em comparação com os imprevistos do Martim Moniz, mas não conseguem ser referência para as sociabilidades lisboetas. São espaços áridos. Pontos de passagem. Paragem temporária de visitantes e turistas.
O Martim Moniz tem árvores, arbustos, repuxos de água, quiosques, esplanadas, os edifícios laterais acolhem comércio e pequenas lojas adaptam-se a várias transacções. Nem tudo é fantástico, há imensas irregularidades. Mas é um dos melhores lugares para estar, parar, continuar, habitar o espaço público. São os que abrangem os interstícios da sociedade e da sua economia, que trazem vida a um espaço que a empedernida sociabilidade lisboeta não habita permanentemente.
É um lugar que encena os
desvios em que consiste a norma urbana. Parece não corresponder aos ideais do que deveria ser uma praça portuguesa, mas são ponto
de atracção para muitos outros,
que criam vida de praça. Coisa
rara em Lisboa.

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