Fatih Akin, um homem de quem se fala

O realizador continua a explorar
a sua relação de amor-ódio com
a Turquia. Valerá a Palma de Ouro?

a Os rumores corriam e compradores de filmes em Cannes confirmaram: até ontem, os vendedores de The Edge of Heaven não se comprometiam com ofertas de compradores internacionais antes de o filme ser apresentado oficialmente à imprensa. Porquê? Estão tão confiantes no filme de Fatih Akin, tão seguros de que vai ter um prémio importante, que querem aproveitar as reacções - positivas, esperam - a seguir à apresentação de ontem para as ofertas começarem a subir.Fatih Akin, nascido em Hamburgo, Alemanha, filho de pais turcos, é um homem de quem se fala - desde o início do festival. Aos 30 anos, arrebatou o Urso de Ouro de Berlim, com Head On (2004), e esse filme, os prémios que se seguiram e o sucesso comercial criaram hype. Ele tem o bom senso, nas entrevistas, de recusar comparações com Rainer Werner Fassbinder, mas é por aí que a coisa anda na imprensa, que o vê como um pólo de energia e do renascimento do novo cinema alemão. Nas entrevistas que por estes dias lhe fazem, os jornalistas, antes de lhe perguntarem o que quer que seja, começam por apostar: vai ganhar a Palma de Ouro. É claro que sobre isso seria preciso perguntar ao júri...
A questão Fassbinder, então: Rainer era um gigante, é impossível estar à altura. Mas percebe-se a comparação. Fatih vai buscar à sua experiência pessoal - alguém que, ao crescer, foi percebendo que está entre dois mundos, a Alemanha e a Turquia - a matéria para construir as personagens. Faz delas, da divisão de identidade, peças de um puzzle muito contemporâneo. Faz da matéria política envolvimento dramático: quer contar histórias.
O cinema de Akin, para além disso, transpira "hoje" por todos os lados - "transpira" é a palavra certa, sobretudo no caso do ofegante Head On; The Edge of Heaven é contido, o realizador, que entretanto foi pai, diz estar mais "maduro".
É melhor deixar Fassbinder de lado, e ficarmos com The Edge of Heaven, que tem as suas qualidades (e tem Hanna Schygulla num papel importante). Fatih continua a explorar a sua relação de amor-ódio com a Turquia. O cinema está a ser para ele uma viagem de autoconhecimento, que terá de concluir, de gastar emocionalmente, antes de passar a outro assunto na sua obra.
Coloca uma série de personagens em trânsito entre a Alemanha e uma Istambul cujas ruas são disputadas por conservadores nacionalistas e activistas da liberdade de expressão. Tudo começa quando um jovem professor de Literatura Alemã de Hamburgo, um turco, parte para Istambul, à procura da filha de uma prostituta, turca, que morreu na Alemanha. As políticas dos estados, os clichés culturais que umas fixaram sobre as outras, fazem das personagens vultos em permanente desencontro. Nem tudo se perde: novas narrativas de (auto)conhecimento estas perdas e estes desencontros vão abrir... Fatih Akin é meticuloso a construir os cruzamentos, tudo bate certo. As personagens é que são pouco mais do que instrumentais para essa construção. E lá se vai a comparação com Fassbinder, que punha tremenda carne em cada personagem...
Punk em Teerão
Marjane Satrapi, iraniana, também está entre dois mundos. Nasceu, numa família cosmopolita, em Teerão, em 1969. Foi testemunha da revolução que derrubou o xá. Desde 1994 que vive em França. Em 2000, começou a publicar uma série de novelas gráficas - com o título Persepolis - que contam a história de uma rapariga, Marjane, que em Teerão descobria o punk, os Abba e os Iron Maiden quando os fundamentalistas chegavam ao poder. Ao longo de quatro volumes, Satrapi foi destilando, na personagem de BD que é ela própria, a história daquela parte do mundo e a sua história. E a decisão de deixar o país.
Os volumes de Persepolis inundam as livrarias francesas, porque Persepolis é agora também uma longa-metragem de animação que concorre em Cannes. Marjane Satrapi co-realiza, com Vincent Paronnaud, e as vozes são de Catherine Deneuve, Chiara Mastroianni, Danielle Darrieux. Traço despojado, ironia e ternura, realismo afiado e surrealismo de mãos dadas - é uma BD indie, não é Shrek. Não é imprescindível, serve para cumprir a agora habitual quota de animação nas competições dos festivais.
Na quota de cinema de autor na Croisette, The Man from London, de Béla Tarr, é exemplo desanimador. Foi um projecto com produção azarada, mas justificará isso a caricatura? O romance de Simenon que aqui se adapta é tragado pelas marcas do realizador a quem chamam, de forma simplista, "o Tarkovsky húngaro". Não consegue filmar outra coisa a não ser as (suas) sombras, os (seus) movimentos de câmara, a (sua) solenidade, o (seu) preto e branco...

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