A enfermeira suicida e o adolescente obnóxio

Competição encerra com chave de ouro com Pas Douce, assinado por uma suíça que morou 15 anos em Portugal

a A competição oficial do IndieLisboa chega hoje ao fim com a exibição do último filme a concurso - e Pas Douce, da suíça Jeanne Waltz, encerra com chave de ouro a melhor das quatro competições do IndieLisboa, até hoje, com um nível médio anormalmente regular e nada menos de quatro grandes filmes numa selecção de doze. Pas Douce é o quarto grande filme da competição, e o exemplo perfeito de como se deve pegar numa história que podia perfeitamente caber numa curta e dar-lhe a densidade necessária para ser uma longa enxuta e eficaz. Para isso ajuda muito a interpretação notável de Isild Le Besco, actriz francesa que parece andar-se a especializar nos papéis de heroínas "desequilibradas" - mas é provável que mais ninguém arriscasse entregar-se (muito menos desta maneira intensa e inteira) ao papel de Fred. Chamar "desequilibrada" a esta enfermeira num hospital de província que fala com sete pedras na mão a toda a gente (menos ao pai, com o qual nem fala) é capaz de ser demasiado simpático: Fred odeia todos, a começar por si própria, e decide matar-se na floresta com um tiro de carabina, mas em vez de se matar dá um tiro no joelho de um adolescente mal-educado e resmungão e acaba a ser a única enfermeira que consegue dar conta do pestinha no hospital. Porque Fred e Marco são exactamente iguais no mau feitio associal e encontram um no outro uma espécie de redenção que os salve da fachada niilista que ergueram para proteger as suas fragilidades. Jeanne Waltz apanha lindamente o ambiente de província e não deixa ficar um único grama supérfluo a este retrato de gente à procura de uma saída dos becos em que se meteram; Pas Douce é uma miniatura compacta e económica que merecerá estar no palmarés do Indie, ao lado de Falkenberg Farewell, Rabia e Close to Home.
Ainda por cima, é uma espécie de representante português "por procuração": Waltz viveu 14 anos e começou a fazer cinema em Portugal (tendo assinado por cá seis curtas e a sua primeira longa Daqui p"ra Alegria) - e se Pas Douce fosse um filme português faria figura de excepção.

Competição oficialPas Douce, de Jeanne Waltz (França/Suíça, 2007, 1h23). Cinema São Jorge, av. da Liberdade, 174: sala 1, hoje às 21h45; repete-se no cinema King, av. Frei Miguel Contreiras, 52-A, amanhã às 16h00 (sala 1).

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