Neon Bible

Foto

Os Arcade Fire são a banda rock mais importante da actualidade. Porquê? A resposta é simples. Há seis anos os Strokes e os White Stripes resgataram o rock do marasmo, pondo fim ao período de nojo que se iniciou quando os Nirvana acabaram – fazendo com que o rock voltasse a ser opulento, deslumbrado consigo próprio. É evidente que mais do que personificarem uma revolução musical, os Nirvana, tal como os Strokes ou os White Stripes, foram fenómenos de impacto sociológico, transformando a forma como se olha a realidade – musical e não só. Mas só quem vive nas nuvens é que acredita que essas dimensões estão desligadas. Os Arcade Fire surgem depois de todas estas movimentações, simultaneamente conscientes e completamente alheios a elas.

Nos anos 90, quando se dizia que o rock tinha sucumbido, falava-se do espírito, de um certo imaginário de rebelião que sofrera problemas da erosão. Os conteúdos repetiam-se; a forma abafava o conteúdo; o rock divorciava-se da vida, era apenas espectáculo. O rock necessitava, outra vez, de transcendência, de fé, de nos fazer acreditar nos seus valores. Não através do regresso romantizado a uma espécie de terra perdida onde se escondem valores como verdade e autenticidade – que nunca passaram de mitos –, mas através da consciência do seu tempo e lugar, interagindo com o passado de forma natural e espontânea. É verdade que nos últimos anos – dos Animal Collective a Devendra Banhart – outros coleccionaram os mesmos valores mas sem o impacto global dos canadianos e sem o ardor, paixão, desmesurada paixão. Sem a mesma urgência em comunicar emoções complexas de forma tão simples. "Neon Bible" é fabuloso. Sofrerá, inevitavelmente, quando comparado com "Funeral". Não poderá criar o mesmo impacto no ouvinte. Mas em tudo o mais é-lhe superior. Os arranjos de Owen Palett (Final Fantasy) são grandiosos. Cada canção alberga texturas e tempos rítmicos diferentes, num jogo dinâmico de camadas em sobreposição. Cada instante parece ainda mais abrasivo que o anterior e a voz de Win Butler é toda ela ardor, impelida pela determinação contagiante do colectivo. O som é rasgado, reconhecemos algumas formas (Pixies, Bruce Springsteen, Roy Orbinson), mas é ligeiramente adulterado a partir do interior. Música diabolicamente eufórica, esta, espécie de cerimonial sem amarras. Mas tudo isto faz sentido porque está ao serviço de canções prodigiosas. Canções sobre o apocalipse, a fé, o medo. As canções de "Funeral" pareciam procurar um certo conforto perante a morte. "Neon Bible" nem isso. A família ou a religião não são refúgio seguro. "I'm living in an age that calls darkness light", canta Win Butler em "My body is a cage". E, no entanto, esta música é um sopro de júbilo. Aceita a desordem. Supera-a. Acredita na transcendência. Liberta-se de todos os cinismos quotidianos. Há tanto tempo que o rock não tinha nada assim.

Sugerir correcção
Comentar