Câmaras cobram milhões de euros em taxas que os tribunais consideram ilegais

Tribunal Constitucional e STA já disseram mais de uma dúzia de vezes que as taxas de publicidade são inconstitucionais. Câmaras continuam
a cobrá-las

A generalidade das câmaras municipais, incluindo as de Lisboa e do Porto, cobram desde há muitos anos uma taxa sobre a afixação de publicidade em edifícios e veículos particulares que o Tribunal Constitucional (TC) já considerou inconstitucional em, pelo menos, seis situações distintas. O valor global das taxas assim cobradas ascende a dezenas de milhões de euros por ano. No cerne da questão está o entendimento judicial de que os tributos cobrados são impostos e não taxas, uma vez que os municípios não prestam qualquer serviço como contrapartida daqueles valores. E, sendo impostos, são ilegais, porque só a Assembleia da República tem competência para criar impostos.
A cervejaria Solmar, um dos mais conhecidos estabelecimentos do ramo na Baixa lisboeta, foi a última de muitas empresas a quem os tribunais deram razão, nesta matéria, desde há uma dúzia de anos. Inconformado com uma decisão do Tribunal Administrativo, que mandou anular a taxa anual de 2.947 euros que a Câmara de Lisboa exigira à cervejaria por conta dos anúncios luminosos que possui na fachada do seu estabelecimento, na Rua das Portas de Santo Antão, o município recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul.
O acórdão deste tribunal, de 24 do mês passado, negou razão à autarquia e manteve a sentença anterior. Para fundamentar esta decisão, os juízes invocaram os acórdãos do TC e do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que, desde 1992, consideram inconstitucionais as normas camarárias relativas àquele género de taxas.
"Tendo o tributo a natureza de imposto, as normas que concretizam a sua criação, designadamente [...] os artigos 16º e 20º do Regulamento sobre Publicidade do Município de Lisboa, que prevêem o pagamento de taxas pela renovação automática de licenças, enfermam de inconstitucionalidade orgânica e material", pelo que "a liquidação do tributo em causa enferma de ilegalidade, pelo que se justifica a sua anulação", lê-se no acórdão.
Autocolante na montra também paga taxa
A existência desta e de outras decisões judiciais não foram, porém, suficientes para que a câmara deixasse de tentar cobrar as taxas em causa. "Olhe que continuam a exigir-nos o dinheiro e ainda há umas semanas esteve aqui um fiscal a dizer que temos de pagar por um autocolante, com o nome da loja, que está colado da parte de dentro da montra, mas é visível da rua", disse ontem Paulo Araújo, o gerente da Kaprius - uma casa comercial que trabalha com peles e que, em 1996, foi uma das primeiras a impugnar a cobrança da taxa.
O caso acabou por subir ao STA e ao TC, perdendo a Kaprius no primeiro e ganhando no segundo, neste caso já em 2001. "Está-me a dar uma novidade. Tinham-me dito que ganhámos por causa de uma amnistia do papa, mas nem sequer me devolveram os 400 contos", exclamou Adelino Araújo, um dos donos da Kaprius, que nada sabia sobre as decisões dos tribunais superiores, tomadas a partir de recursos do Ministério Público.
Embora as declarações de inconstitucionalidade tenham quase todas a ver com Lisboa, o entendimento do TC aplica-se a todos os municípios com regulamentos semelhantes. A de Guimarães, por exemplo, foi objecto de um acórdão, em 1998, que considerou inconstitucionais os artigos do seu Regulamento e Tabela de Taxas que serviram de base à exigência, em 1995, de 145.560 escudos à empresa de transportes Recoveira de Guimarães. Neste caso, o suporte da publicidade era um camião da empresa e não um edifício particular.
Na sequência dessa decisão do TC, garantiu um porta-voz da Câmara de Guimarães, o regulamento foi alterado, no que respeita à publicidade em veículos. Já no que toca aos edifícios, a mesma fonte explicou que as taxas continuam a ser cobradas porque a autarquia "desconhece que sejam ilegais". Um outro caso em que o STA considerou ilegal a cobrança de taxas relativas a veículos foi resolvido em 2001 e tinha a ver com uma empresa, a Lusopiza, que anunciava os seus serviços nas motas dos seus distribuidores de pizzas.
O argumento que tem sido utilizado pelos municípios para cobrarem taxas sobre publicidade em prédios e veículos é o de que são as câmaras quem cria a possibilidade de os anúncios, ainda que em propriedade privada, serem vistos das ruas, praças e avenidas por onde circulam os seus alvos. Os tribunais, como já se viu, têm considerado, nestes casos, que os municípios nada fazem como contrapartida das taxas cobradas, sendo estas, por isso, ilegais.

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