Pedro Costa no quarto escuro com os Straub

Dentro da comunidade cinéfila europeia, há um realizador português que está a viver intensa e dolorosamente a perda de Daniele Huillet, uma dor agravada pela consciência da perda que o próprio Jean-Marie Straub está a sofrer. Falamos de Pedro Costa, o autor de Où Gît Votre Sourire Enfoui? (Onde Jaz o Teu Sorriso, 2001 - na foto), documentário que ele realizou sobre o trabalho de montagem da terceira versão do filme Sicília do casal francês Straub-Huillet. Contactado ontem pelo PÚBLICO, Pedro Costa, presente em Paris ao lado de Jean-Marie, escusou-se a fazer qualquer comentário sobre o desaparecimento da realizadora - limitou-se a dizer: "Não tenho palavras."Justifica-se, contudo, recordar aquilo que disse aquando da realização do seu filme, em resposta a uma encomenda do canal franco-alemão Arte, para a série Cineastas do Nosso Tempo. "A bóia de socorro, para mim, foi sempre os Straub. Se eu precisava de alguma sensualidade no cinema de vez em quando, ou se preciso ainda, sei que são eles, não é o Godard" (ver PÚBLICO de 17/01/2003).
Foi por isso que Pedro Costa aceitou acompanhar a montagem de Sicília, vivendo com os seus autores horas e horas (foram mais de 150 de gravação) no quarto escuro, aquele lugar mágico onde o cinema se constrói e ganha sentido. Où Gît Votre Sourire Enfoui? (o filme e o argumento foram editados pela Assírio & Alvim, em 2005) "fala um bocado disso: como é que se conhecem, como é que se amam as pessoas". "Quem não conheça os Straub ou não saiba que são um casal, o que já aconteceu, leva um tempo a perceber que eles estão juntos há tantos anos, que são marido e mulher, que não podem passar um sem o outro, se um morrer, o outro morre. A certa altura, naqueles vaivéns entre eles, há uma espécie de relâmpago e percebe-se que eles são inseparáveis e que aprendem um com o outro, apesar de tudo, mesmo nas tontarias (...). Ele faz o romance e ela faz o suspiro, ela concentra tudo, é o suspiro concentrado nele."
O filme de Pedro Costa, sendo uma reflexão sobre o trabalho da montagem cinematográfica, nos seus avanços e recuos, dramas e sorrisos, é também um trabalho de cumplicidade com Huillet-Straub. S.C.A.

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