Torne-se perito

Aposta ousada de Jura não fez disparar audiências na SIC

Cenas de sexo ousadas, corpos jovens bonitos e uma trama que aborda problemas
dos casais modernos: apesar da combinação de ingredientes "saborosos", a novela Jura,
da SIC, não consegue captar audiências expressivas. As razões são muitas

Os spots de auto-promoção da nova novela da SIC, Jura, prometiam actores portugueses como os espectadores nunca os tinham visto - nus, entenda-se. Nas entrevistas e acções de apresentação do programa, a produtora Teresa Guilherme prometia "o melhor sexo alguma vez visto na televisão portuguesa". O director de programas afirmava a sua confiança num produto "inovador" que iria causar controvérsia no público. Duas semanas depois da estreia, Jura mantém-se teimosamente arredada da lista dos 15 programas mais vistos. Por quê? Os espectadores não gostam de sexo gratuito?"No horário das 23h, Jura sobrepõe-se às novelas Tempo de Viver e Fala-me de Amor, da TVI. É um terreno muito difícil: Fala-me de Amor está na recta final e Tempo de Viver foi muito bem aceite desde o seu arranque", descreve Felisbela Lopes, docente e investigadora na área de media. "As pessoas vêm novelas por habituação e as da TVI jogam sempre com os mesmos protagonistas, o que prende o espectador, que já conhece as caras. Cada nova novela é uma espécie de continuação da anterior."
A esta fidelização à TVI há que acrescentar o facto de a novela não seguir uma "lógica de prime time": Floribella dirige-se a um público infantil; Cobras & Lagartos é nitidamente para um target etário mais velho (não pelas cenas mas pelo enredo); Jura dirige-se a espectadores adultos e significa um corte radical com as temáticas anteriores. Ou seja, "esta ruptura a cada intervalo entre programas não ajuda a fidelizar a sintonia no canal".
Aparentemente, as razões para o desaire não se ficam por aqui: Rui Teixeira da Motta, presidente da Associação de Telespectadores, considera que Jura não está a funcionar também "por causa do horário tardio", embora aplauda o facto de assim estar dentro dos limites impostos pela Lei da Televisão. Depois de a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ter aberto um processo de averiguação devido ao conteúdo das auto-promoções com cenas de sexo que passavam a qualquer hora do dia, a SIC acabou por deslocar a estreia da novela para depois das 23h e esta semana arrancou sempre às 23h45.
Felisbela Lopes discorda dessa razão: "Há 10 ou 15 anos o horário das 23h podia ser tardio, mas agora ainda é horário nobre, embalado pelos programas que arrancam a seguir aos telejornais."
Mas para Teixeira da Motta, presidente da Associação de Telespectadores (ATV), não há uma explicação lógica e de peso para este "insucesso" de Jura e considera mesmo que ainda é cedo para avaliações. No entanto revela, para já, um fenómeno "interessante": "Tendencialmente, aquilo que apelidamos de "SS" (sangue e sexo) vende. Vende muito. E até agora, em Jura, a existência de cenas mais ousadas não tem, afinal, rendido as audiências expectáveis. Não se entende porquê." Francisco Penim também deve estar preocupado com esta falta de explicação, diz, acrescentando que 15 dias é pouco tempo para analisar fenómenos.
O presidente da ATV recusa a ideia de que há cenas de sexo excessivas e gratuitas. "Somos mais contra a programação nua (como o excesso de Floribella e Morangos nas grelhas) do que contra o nu na programação", diz, criticando os sinais de "nacional-saloismo contra os conteúdos portugueses: a série O Sexo e a Cidade também tinha cenas e diálogos explícitos e excessivos e não gerou esta controvérsia". "O nu na TV pode ser pornográfico, erótico, voyeurista ou criativo. E é um trabalho criativo tão normal como o vestido. A questão está em saber se está enquadrado e não é apenas um chamariz de audiências. E neste caso consideramos que está perfeitamente enquadrado."
O "clone exagerado"
Boa parte da culpa das más audiências de Jura, considera Felisbela Lopes, estará também na falta de orientação da própria SIC. "Neste último ano, Francisco Penim não teve traços de inovação, apenas copiou traços do que resulta noutros canais - na TVI, no caso. A Floribella apareceu para combater os Morangos e o traço distintivo foi o sonho. Jura vem responder a Tempo de Viver, que também teve cenas ousadas no início [a actriz Benedita Pereira protagonizou uma cena de sexo controversa]; mas a novela da SIC acaba por ser um clone exagerado", afirma a investigadora. E lembra que a repetição de géneros que passam noutro canal à mesma hora não é a estratégia correcta para ganhar audiências: a TVI bateu as novelas da Globo (SIC) não com ficção nacional mas com o Big Brother.
Teresa Guilherme chegou a dizer que a novela Jura iria ter "o melhor sexo da televisão portuguesa". Mas a ideia de sexo em prime time num canal de sinal aberto não parece estar a convencer os espectadores: quem prefere ver sexo puro tem canais codificados no cabo. E quem apenas quer ver uma novela de fim de noite ainda não se deixou convencer pelos argumentos daquela que é mais uma das apostas fortes da SIC.
Os actores têm-se desdobrado em declarações sobre a maior ou menor dificuldade em representar cenas de sexo. Até mesmo aqui a divisão tem sido marcadamente sexista: os homens confessam um maior à vontade; a maioria das mulheres reconhece algumas dificuldades. Mas aprovam sem reservas o projecto em nome da arte de representar.
Eduardo Cintra Torres considera impossível saber, nesta altura, a razão para as baixas audiências de Jura por ser ainda cedo. O crítico de TV do PÚBLICO reforça no entanto a ideia de que não depende apenas do próprio programa, mas também do que há nos outros canais àquela hora.
"A SIC pôs a fasquia alta demais, num patamar que não pode cumprir: não pode haver uma novela cheia de sexo num canal de sinal aberto. Isso é um programa para maiores de 18 anos", critica. O problema fundamental de Jura estará, segundo Cintra Torres, no espectador-alvo da novela: " Tendo em conta os protagonistas e o enredo, Jura destina-se a um público marcadamente urbano, entre os 25 e os 35 anos, independente, com gostos consumistas [o retrato, aliás, dos próprios personagens]. E essas pessoas não estão disponíveis para ver novelas." Os espectadores com tais características estão no cabo ou então nem sequer estão em casa. "As novelas são para donas de casa e idosos; e isso a SIC não consegue mudar."

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